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A partir dos anos de 1920 o Brasil começou a viver um processo de modernização e urbanização que se notabilizou sobretudo por uma tentativa de industrialização e redução da dependência da economia do país da produção rural de matérias primas para exportação, e pela expansão das cidades e da vida urbana. Em meio a esse processo, houve sérios questionamentos sobre o papel da educação na preparação do homem para adaptar-se à vida nesse novo ambiente e para ingressar no novo mundo do trabalho.

A educação que predominava na primeira República ainda era bastante limitada, atingia baixos percentuais da população, e tinha um caráter humanista, que pouco preparava o homem para os novos desafios de um mundo industrializado. A referência escolar ainda era o Colégio Pedro II – nas primeiras décadas da República nomeado Ginásio Nacional (1890-1911) – cujo plano de ensino era adotado pelas outras instituições de ensino do país.

Em meio a esse contexto de necessidade de reforma do ensino para adequar-se ao contexto social brasileiro, diversos intelectuais brasileiros dedicaram-se a pensar reformas no ensino na República, em um movimento que ficou conhecido como Escola Nova, e que teve início prático ainda na década de 1920, embora somente tenha tido seu Manifesto lançado em 1932, já durante o governo Vargas. Intelectuais como Anísio Teixeira, Fernando de Azevedo, Lourenço Filho lançaram as bases do que deveria ser a nova educação nacional, de base laica, pública e gratuita.

Entretanto, outros intelectuais pensavam a mudança na educação neste mesmo período, mas não se identificavam integralmente com as bases do movimento escolanovista, entre eles o professor e intelectual católico Jonathas Serrano. Serrano (1885-1944) teve uma trajetória destacada no período de reforma do ensino, sobretudo entre as décadas de 1920 e 1940 no Brasil. Formado e doutor em Ciências Jurídicas e Sociais pela faculdade do Rio de Janeiro, foi professor catedrático de História da Civilização no Colégio Pedro II, professor e diretor da antiga Escola Normal do Rio de Janeiro, posteriormente Instituto de Educação. Entre 1927 e 1930 foi subdiretor técnico de Instrução do Distrito Federal, no âmbito das reformas empreendidas por Fernando de Azevedo. Ocupou diversos cargos na área de educação, fez parte do Conselho Nacional de Educação, da Comissão Nacional do Livro Didático e da Comissão Nacional de Censura Cinematográfica, além de ter sido membro do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e de diversos outros institutos, sociedades, academias e associações. Foi um dos fundadores da União Católica Brasileira e da Revista Social. Colaborou em diversos periódicos, como A Ordem, Alunos e Mestres, Estrela do Mar, o Jornal do Brasil, e escreveu vários livros, entre tratados de história do Brasil, biografias, livros de orientação pedagógica para professores, tais como: Epítome da História Universal (1913), Cinema e educação (1930), Como se ensina história (1930), Escola Nova: uma palavra serena em um debate apaixonado (1932), História da Civilização (5 vols., 1933-1937), e Farias Brito: o homem e a obra (1939), para citar apenas alguns.

Colocou-se como um apoiador das reformas do ensino, mas não um escolanovista como os outros intelectuais: como católico, não apoiava o ensino laico e não acreditava na formação do homem puramente para o mundo social, do trabalho, mas com uma formação moral, cívica e espiritual. O ensino religioso deveria ser a solução para a crise moral instalada no Brasil com o estado laico no início da República, e intelectuais como Serrano e Alceu Amoroso Lima, por exemplo, lutavam pela família, contra o divórcio e o aborto, pelo casamento religioso e pelo ensino religioso obrigatório (e não opcional como era) nas escolas. Embora católicos e escolanovistas tivessem rompido e se colocado muitas vezes em lados antagônicos nas discussões sobre educação no período, Jonathas Serrano foi um elemento por vezes contraditório entre esses grupos, apoiando a reforma e modernização do ensino, apesar de apoiar fortemente o ensino religioso e não ser adepto do pragmatismo de Dewey nas bases da pedagogia social proposta pelos escolanovistas, como Anísio Teixeira. Apesar das divergências, não era um ultraconservador – tanto que integrou a Reforma da Educação encabeçada e promovida por Fernando de Azevedo no Distrito Federal entre os anos de 1927 e 1930.

Serrano também foi destacado promotor do uso das novas mídias da época na educação, como o rádio e o cinema, desde que devidamente controlados e censurados de acordo com a moral cívica de sua época, em um claro viés civilizatório. Tanto que foi professor da Universidade do Ar (1941), programa voltado para a formação de professores secundários brasileiros através da radiodifusão. O programa, desenvolvido em parceria com o Ministério da Educação e Saúde, durou até 1945 e tinha como objetivo formar professores nas mais remotas e diversas regiões do país, em horários alternativos aos horários de trabalho. Não custa lembrar que o Brasil era extremamente pobre em universidades e institutos voltados para a formação de professores, e os amadores e diletantes atuavam nas salas de aula em todo o território.

O fundo privado Jonathas Serrano, sob guarda do Arquivo Nacional, nos possibilita conhecer melhor a atividade do professor e pedagogo, ao longo de sua atuação na vida pública. Nas mais de 20 caixas de documentação destacam-se as correspondências, passiva e ativa, do titular do fundo, originais de suas obras educacionais, provas tipográficas, regulamento de Congressos Brasileiros de Educação, programas de História para o Colégio Pedro II, pareceres sobre livros de história do Brasil e atas de sessões da Comissão Nacional do Livro Didático, documentos do Conselho Nacional de Educação, relatórios do Colégio Pedro II, discursos, artigos, boletins, fotografias, ensaios, programas de aulas para a Universidade do Ar entre outros documentos de cunho público e privado.

Seguem as referências:

 

ZANATTA, Regina Maria. Jonathas Serrano e a Escola Nova no Brasil: raízes católicas na concepção progressista. São Paulo: tese (doutorado em Educação), Universidade de São Paulo – Faculdade de Educação, 2005.

 

FREITAS, Itamar. A pedagogia da história de Jonathas Serrano para o ensino secundário brasileiro (1913/1935). São Paulo: tese (doutorado em Educação), Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – Programa de Estudos Pós-graduados em Educação: História, Política, Sociedade, 2006.

 

SILVA, Giovane José da. O Batismo de Clio: Catolicismo, ensino de história e novas mídias em Jonathas Serrano (1908-1944). Nitéroi, RJ: tese (doutorado em História Social), Universidade Federal Fluminense – Instituto de História, 2015.

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