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No final da década de 1960 a feminista norte-americana Martha Weinman Lear escreveu um artigo com o título “A segunda onda do feminismo,” estabelecendo as diferenças em relação à primeira geração de reivindicações das mulheres em busca dos seus direitos e seu espaço, ainda nas primeiras décadas do século XX. Em 1992 Rebecca Walker retoma a metáfora para descrever uma nova articulação feminista, que então se consolidava, denominando-a de terceira onda. Desde então – e agora nos encontramos em plena quarta onda – a metáfora se manteve, embora com controvérsias acerca de quando cada uma começa e termina. No entanto, a essência da questão é que a cada onda, novas reivindicações são agregadas e seu escopo das discussões se amplia, apesar de não haver uniformidade em cada um desses momentos. Como as ondas do mar, as ondas feministas apresentam momentos de maior força agregadora e, posteriormente, revertem em um fluxo talvez menos visível mas igualmente poderoso que irá acabar por formar a onda seguinte.

Se em países mais desenvolvidos (especialmente Europa e Estados Unidos) a discussão ganhava corpo com a entrada de toda uma geração de mulheres quase ou tão instruída quanto os homens (consequência da implantação de projetos de educação universal ao longo da primeira metade do século XX) e pautas que buscavam ampliar as garantias legais de igualdade entre os gêneros em todos os campo, inclusive relacionamentos interpessoais e sexuais, em outros países questões ligadas à democracia e desigualdade social vinculavam-se ao debate feminista. O Brasil, e outros países da América Latina, vivia uma ditadura instalada por um golpe militar em 1964, mas na década seguinte movimentos sociais começaram a se rearticular e o feminismo foi um deles.

 

 

 

 

 

Nos anos 1970, alguns livros-marco para o feminismo da segunda onda haviam sido lançados no país; em 1971 Betty Friedan, presidente da National Organization of Women e autora de A mística feminina, visita o Brasil e em suas palestras expõe a luta de parcelas das mulheres americanas, inclusive a luta para ampliar o poder de decisão sobre o próprio corpo e a sexualidade. Encarada com escárnio por boa parte da imprensa (inclusive “de esquerda,” como O Pasquim, jornal visado pela ditadura e produzido integralmente por homens), sua presença e as discussões que trazia foram vistas por muitos como representante de um movimento “confuso,” “desorganizado”, “com representantes lésbicas e feias,” entre outras atrocidades. Esta posição valia para o feminismo de uma forma geral, posição aliás que desde sempre e até hoje persegue as mulheres que buscam levantar suas vozes contra a desigualdade entre os gêneros, a falta de liberdade, o ódio dos homens: o escárnio mal-informado, o ressentimento difuso e o apego aos privilégios masculinos.

 

Nesta mesma década sobressai-se o trabalho de feministas brasileiras, entre elas Leonor Nunes de Paiva, nascida em 1950 no Rio de Janeiro e formada em advocacia em 1974. Associou-se com outras advogadas como Branca Moreira Alves, Leila Linhares Barsted e Comba Marques Porto, atuou junto ao “lobby do batom” na Constituinte de 1987-88. Atuou em entidades como Centro da Mulher Brasileira e Conselho Nacional dos Direitos da Mulher e também editou o jornal Sexo finalmente explícito.

Fundado em 1975, o Centro da Mulher Brasileira nasceu a partir de grupos de reflexão formados no Rio de Janeiro (zona sul) por mulheres de classe média e nível superior que haviam entrado em contato direto com as feministas de outros países, em especial os Estados Unidos. Em 1975, com o estabelecimento do Ano Internacional das Mulheres pela ONU, tais grupos se articularam e acabaram optando por uma via de ativismo institucionalizado que, por estar inserido em um contexto de ditadura, vinculava a discussão (e atuação acerca) sobre a condição da mulher à luta pelo fim da violência do autoritarismo militar. A temática feminista só ocupa o centro da agenda a partir de 1979, quando sexualidade, condições de trabalho, violência (física e simbólica) e participação política passam a ser centrais.

O fundo Leonor Nunes de Paiva, um dos poucos fundos privados que possui uma mulher como titular, encontra-se no Arquivo Nacional desde 2007. São “textos, cartilhas, anotações e fotografia sobre violência contra a mulher, participação da mulher na constituinte e doenças sexualmente transmissíveis. Periódicos nacionais e internacionais; artigos sobre questões relacionadas a aborto e trabalho feminino; leis; anteprojetos de lei; decretos; correspondências com os principais grupos feministas do Brasil; recortes de jornais; panfleto; estudos acadêmicos; notas manuscritas e material sobre os vários encontros feministas ocorridos na década de 1980. Correspondências com amigos; poemas; gravuras; fotografias; programas de cursos oferecidos, e algumas fotografias.”

A fotografia e os jornais desta matérias pertencem ao fundo Leonor Nunes de Paiva (ZH).

Recomendações de leitura

Marques, A. M., & Zattoni, A. M. (2014). Feminismo e resistência: 1975–o centro da mulher brasileira e a revista veja. História Revista19(2), 58-79.

Soihet, R. (2007). Encontros e desencontros no Centro da Mulher Brasileira (CMB) anos 1970-1980. Revista Gênero7(2).

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