Em janeiro de 1912 nasceu o mato-grossense Apolônio de Carvalho, uma figura marcante no cenário político nacional ao longo de praticamente todo o século XX, desde o início dos anos 1930 – quando, no exército, engajou-se em movimentos políticos que se opunham à ascensão do fascismo e aderiam ao projeto comunista – até sua morte em 2005, quando, já afastado das suas funções como presidente do partido que ajudou a fundar (o Partido dos Trabalhadores), continuava seu ativismo em discursos, debates e textos de apoio aos movimentos sociais, em especial entidades mais recentes no cenário político, como o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra. Apolônio de Carvalho: comunista, militar, preso algumas vezes, combatente internacional, por toda a vida levou para onde fosse sua coragem e esperança.
Aos 21 anos era oficial, depois de ingressar na Escola Militar de Realengo, e já se aproximava dos movimentos socialistas, libertários, comunistas. Em 1935 participa da Aliança Nacional Libertadora desde sua criação, entidade que aglutinava diversas facções políticas que tinham em comum a luta contra o autoritarismo do então presidente Getúlio Vargas (que acabaria por instaurar uma ditadura escancarada em 1937) e o apoio às lutas populares e a democracia. Preso em 1936, acaba expulso do exército. Filia-se ao Partido Comunista do Brasil no ano seguinte, logo depois de sair da prisão. Ainda em 1937, parte para a Europa para se engajar na guerra civil espanhola, ao lado da República Popular nas Brigadas Internacionais, que enfrentava as forças fascistas de Francisco Franco. Após a derrota dos democratas para o general Franco, refugia-se nos Pirineus franceses. Evade-se em plena eclosão da Segunda Guerra, aliando-se à Resistência Francesa contra as forças do Eixo (Itália, Alemanha e Japão) até a libertação da França em agosto de 1944. Foi então condecorado com a Legião de Honra, a Cruz de Guerra com Palma e a Medalha da Libertação.
Casa-se e tem um filho em solo francês, mas acaba retornando ao Brasil em 1946, onde volta a integrar as fileiras do Partido Comunista até que este seja proscrito no ano seguinte. Em 1953 Apolônio viaja para a União Soviética e lá permanece por 4 anos. Retorna novamente ao Brasil, mas poucos anos depois o golpe militar de 1964 inaugura um período de repressão e violência contra indivíduos e organizações que não se enquadrassem nas propostas autoritárias e no projeto de desenvolvimento excludente do regime militar. Já na meia idade e ainda incansável, Apolônio abraça a luta armada e se retira do Partido Comunista – então considerado moderado na luta contra a ditadura – para fundar o Partido Comunista Brasileiro Revolucionário. Em janeiro de 1970 ele e seus filhos são presos e torturados, mas em junho é libertado por estar na lista de 40 presos políticos a serem trocados pelo embaixador alemão von Holleben, sequestrado pela VPR e ALN.
Apolônio de Carvalho e sua família passam a maior parte dos anos 1970 no exílio na França, mas sempre mantendo contato e articulações com movimentos em prol da democracia no Brasil. Retornando ao país depois da Lei de Anistia de 1979, e nos anos seguintes participa da constituição do Partido dos Trabalhadores (PT), agremiação que aglutinou sindicalistas e intelectuais do espectro a esquerda do campo político e que hoje é um dos maiores do país, ocupando inclusive a presidência da República.
Apolônio atravessou boa parte do século XX militando, atuando politicamente, escrevendo, e o fundo privado que reúne seus documentos – doados ao Arquivo Nacional por sua viúva Renée France em 2012 – reflete essa trajetória notável. Segundo o SIAN, “em 2013, a parcela textual do fundo foi selecionada pela Comissão Nacional da Verdade como de interesse para o seu objeto de estudo - exame das violações de direitos humanos. Incorporados ao projeto de Reformatação de Acervos do Arquivo Nacional de interesse para a Comissão Nacional da Verdade. [Conteúdo]: Correspondência, recortes de jornais, diplomas, textos, apontamentos, prontuários, condecorações, publicações sobre a participação do titular nas Brigadas Internacionais durante a Guerra Civil Espanhola, na Resistência Francesa durante a Segunda Guerra Mundial; a militância no Partido Comunista Brasileiro, no Partido Comunista Brasileiro Revolucionário e no Partido dos Trabalhadores. Integram o acervo rascunhos e originais do livro Vale a pena sonhar e de obras inacabadas e depoimentos e entrevistas concedidas a diferentes entidades.”
Documentos:
BR_RJANRIO_GK_0_DSO_DPO_0003 (áudio) Entrevista com Apolônio de Carvalho como preso político e combatente na Resistência Francesa. Relacionamento com a Renée.
BR_RJANRIO_GK_0_TXT_0246
BR_RJANRIO_GK_0_TXT_0330
Leitura recomendada
Carvalho, Apolônio de. Vale A Pena Sonhar (biografia). Editora Rocco, 1997
Pereira, M. A. M. L. Apolônio de Carvalho: trajetória, memórias e militância política na era do antifascismo (1937-1947). Antíteses, 13(25), 181-206.