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Disco de goma laca que pertenceu a Casa Edison. Nº 92483: TOSCA (Puccini); Nº 92484: TOSCA (Puccini). BR RJANRIO HG.0.0.3

 

A Casa Edison, que recebeu esse nome em homenagem ao inventor norte americano Thomas Edison, foi fundada em 1900 na cidade do Rio de Janeiro pelo empresário tcheco Fred Figner. Em 1891, Figner chegava ao Brasil exibindo uma nova máquina que gravava e reproduzia sons por intermédio de cilindros giratórios, batizada de fonógrafo. O aparelho havia sido inventado por Thomas Edison em 1877 e despertava entusiasmo e curiosidade entre o público, que assistia incrédulo aquela “mágica sonora”. Nas cidades brasileiras pelas quais Figner passou (Belém, Manaus, Fortaleza, Natal, João Pessoa, Recife, Salvador, São Paulo, Porto Alegre etc.), as pessoas pagavam para ouvir as vozes gravadas na máquina falante de Edison, além de lundus, modinhas e operetas brasileiras que Figner gravou pelo país.  

Mas, foi na capital da recém proclamada República, que Figner se estabeleceu e abriu, na rua do Ouvidor no centro da cidade, a Casa Edson, loja de artigos importados que vendia desde materiais de escritórios, brinquedos e utilidades até cilindros, fonógrafos e gramofones. Em 1902, a Casa Edison passou a desenvolver um novo papel no mercado fonográfico do país, tornando-se a primeira gravadora e varejista de discos do Brasil. A utilização de discos planos, revestidos com cera, era uma novidade a época[1] e representou uma evolução para o processo de gravação e comercialização de músicas. “Em comparação [ao cilindro], o disco é um suporte mais duradouro, de fácil manipulação, transporte, e oferece melhor qualidade sonora, fatores que contribuíram para a sua popularização” (GONÇALVES, 2011). Mas uma novidade, sobretudo, em relação ao processo de produção dos discos ou chapas, como também ficaria conhecidos, que passaria a uma escala industrial: a partir de uma primeira matriz gravada em cera, moldes em metal eram confeccionados para a prensagem, em série, dos discos. 

Numa sala de gravação, ao lado da Casa Edison, foram gravadas as primeiras matrizes de discos brasileiros, enviados à Europa para serem prensados[2]. Figner estabeleceu diversos acordos comerciais com empresas estrangeiras possibilitando que o empresário tivesse o controle e os direitos exclusivos de distribuição de seus discos no Brasil durante a primeira década do século XIX. Segundo Ricardo Cravo Albin, “até 1903, a Casa Edison produziu 3 mil gravações, conferindo ao Brasil o terceiro lugar no ranking mundial (estava à frente os Estados Unidos e a Alemanha). Fred Figner enriqueceu, tornando-se proprietário de tudo o que se produzia em música brasileira” (ALBIM, 2006). Nos catálogos de discos produzidos pela Casa Edison figuram cantores de sucesso da época que interpretavam canções de gêneros populares como o lundu, a chula, a modinha, a valsa, principalmente, mas também fonogramas estrangeiros.  

O Arquivo Nacional guarda em seu acervo 68 discos que pertenceram a Casa Edison (BR RJANRIO HG). São chapas em goma laca, resina animal secretada de um inseto chamado Kerria Lacca, encontrado na Índia e Tailândia, e utilizada na fabricação de discos até o final da década de 1940, quando foi substituída pelo vinil. A maior parte dos seus discos pertence à Società Italiana Di Fonotipia, de Milão, primeira gravadora no mundo exclusivamente voltada para música erudita, outros trazem o selo da Odeon e, em uma única chapa, o selo da Jurity, Fábrica Popular que funcionou durante os anos de 1920 e 1921, fundada por Chiquinha Gonzaga e seu companheiro, João Baptista, ex-funcionário da Casa Edison.  

Devido a sua especificidade e raridade, o acervo da Casa Edison foi todo tratado e higienizado e, no final de 2015, escolhido para iniciar o projeto de reformatação de discos do Arquivo Nacional. A ação foi realizada em parceria com o especialista em preservação sonora, Marco Dreer. Atualmente, o acervo está disponível no Sistema de Informações do Arquivo Nacional (sian.an.gov.br) e você pode ouvir os registros sonoros contidos nos discos que compõem o acervo. São músicas interpretadas por Bahiano, Manuel Pedro dos Santos, um dos mais populares intérpretes de nossa música nas primeiras décadas do século XX, ou pelo palhaço e compositor Eduardo da Neves, com suas músicas irônicas, além de canções populares gravadas pela Banda da Casa Edison e pela Banda do Corpo de Bombeiros, entre outras. Registros sonoros de importância fundamental para o estudo da música brasileira. 

O fundo arquivístico da Casa Edison foi tema do primeiro episódio do Pó de Arquivo, podcast do Arquivo Nacional que debate história e arquivologia baseado em documentos sonoros do acervo da instituição. Para ouvir o programa clique aqui.

 

[1] O disco e o gramofone foram lançados no mercado americano - e depois no mercado mundial - e passam a concorrer com o cilindro em 1895, quando Berliner, o inventor da chapa, funda a Berliner Gramophone.

[2] Figner inicia sua produção com o selo Zon-O-Phone e lança o primeiro disco comercial, o Zon – O – Phone 10.001, com o lundu Isto é Bom, de Xisto Bahia, cantado por Bahiano.  A partir de 1904, com a incorporação da Zon-O-Phone pela Internacional Talking Machine passa a gravar pelo selo Odeon.

 

Leia mais em:  

ALBIN, Ricardo Cravo. Dicionário Houaiss Ilustrado Música Popular Brasileira. Rio de Janeiro: Instituto Antônio Houaiss, Instituto Cultural Cravo Albin e Editora Paracatu, 2006.   

FRANCESCHI, Humberto Moraes. A Casa Edison e seu tempo. Rio de Janeiro: Sarapuí, 2002. 

GONÇALVES, Eduardo. A Casa Edison e a formação do mercado fonográfico no Rio de Janeiro no final do século XIX e início do século XX. Desigualdade & Diversidade – Revista de Ciências Sociais da PUC-Rio, nº 9, ago./dez, 2011, pp. 105-122. 

PICCINO, Evaldo. Mudanças de suportes sonoros no mercado fonográfico brasileiro: capítulos digitais e analógicos de uma novela muito antiga. Dissertação de Mestrado em Multimeios do Instituto de Artes da universidade estadual de Campinas. Campinas, 2007. 

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