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O conhecido mosquito Aedes aegypti surgiu na África e espalhou-se por uma boa parte do mundo, à exceção da Europa e Antártida. Vetor de doenças graves que podem contaminar o ser humano, sabe-se da sua presença no Brasil desde o período colonial, trazido pelos infames navios negreiros – dedicados ao tráfico de africanos escravizados. Em 1850 ocorria a primeira epidemia de febre amarela no país, na então capital, o Rio de Janeiro, consequência da disseminação do mosquito, transmissor da doença.

No início do século XX, o poder público se mobiliza com o objetivo de acabar com várias doenças que assolavam a então capital federal, o Rio de Janeiro, em especial a mortal febre amarela. A doença não afligia apenas os habitantes do Rio de Janeiro, e medidas para sua prevenção na cidade acabaram sendo adotadas em outras localidades. No entanto, o mosquito é de difícil erradicação, e nos anos 1920 voltou a causar outra epidemia da doença. Em 1955, uma grande campanha realizada em parceria com a Organização Pan-Americana da Saúde buscou novamente erradicar o Aedes aegypti no Brasil e outros países do continente e, embora ele tenha sobrevivido em algumas áreas da região, em geral estas estavam restritas a zonas pouco habitadas.

O mosquito voltou a se espalhar pelo continente nos anos 1970 e 80, trazendo outra doença: a dengue. Apesar de conhecida no país desde o século XIX a doença, causada por um vírus transmitido pelo mosquito, não causara grandes epidemias antes dos anos 1980. A primeira ocorrência do vírus no país, documentada clínica e laboratorialmente, aconteceu em 1981-1982, em Boa Vista (RR). Em 1986, houve a primeira epidemia de dengue, no Rio de Janeiro, e a identificação da doença levou algum tempo, por se tratar de uma doença que ainda não atingira o país, sendo desconhecida do público e com a qual os agentes de saúde estavam pouco familiarizados. Durante esta primeira onda da doença, que durou até 1990, ela atingiu principalmente as capitais do sudeste e algumas regiões do nordeste. Desde então, ela se tornou endêmica, com surtos a cada 2-3 anos, e predominância de ocorrência nos meses mais quentes do ano.

Embora em geral relativamente benigna, a dengue pode ser bastante imprevisível, e sua forma hemorrágica é letal. Seus sintomas podem se confundir com uma gripe forte, e para que o indivíduo fique imune a doença, é preciso que tenha contato com os 4 tipos de vírus que podem causa-la.

A erradicação do vetor da dengue é extremamente difícil: os ovos do mosquito podem sobreviver durante meses, e o adensamento populacional contribui para sua disseminação, em especial em regiões com baixo saneamento e controle de regulamentações urbanas, pois o Aedes egypty se reproduz em locais úmidos, em água limpa e parada (não-corrente), condições comuns em cidades brasileiras. A infra-estrutura urbana deficiente, o despreparo dos agentes públicos e da população para controlar a doença transformaram as grandes cidades em viveiros do mosquito.

A Superintendência de Campanhas de Saúde Pública (Sucam) foi responsável pelo controle da doença (através da destruição de focos de mosquito) até 1990, quando a Fundação Nacional de Saúde (Funasa) foi criada e passou a ser responsável pela coordenação das ações de controle da doença. Em 1996, o Ministério da Saúde elaborou o Plano de Erradicação do Aedes aegypti (PEAa). Braga e Valle afirmam que “o Plano, que previa ação integrada com vários outros ministérios, foi dividido em nove áreas de atuação, denominadas Componentes: 1) Entomologia; 2) Operações de campo de combate ao vetor; 3) Vigilância de portos, aeroportos e fronteiras; 4) Saneamento; 5) Informação, educação e comunicação social; 6) Vigilância epidemiológica e sistema de informações; 7) Laboratório; 8) Desenvolvimento de recursos humanos; e 9) Legislação de suporte.”

Apesar do alto investimento no programa, em 1999 o inexorável avanço da doença mostrava que as ações não alcançavam a eficácia esperada. Aparentemente, o fracasso do PEAa deveu-se principalmente a não-universalização das ações em todo o território nacional e a descontinuidade na execução das atividades de combate ao vetor. Em 2001, a Funasa abandonou a ambição de erradicar o vetor da dengue e passou a trabalhar com o que considerava objetivos mais realistas de controle do mesmo. Regiões com alta incidência da doença e alta concentração demográfica receberam prioridade nas ações de combate ao mosquito.

Em junho de 2020, o Brasil apresentava mais de 800 mil casos de dengue, sendo que 374 mortes, apontando para uma nova onda epidêmica.  As regiões mais afetadas são a centro-oeste e a sul. Devido a pandemia do covid-19 – bem mais grave e contagioso que a dengue -, esses números alarmantes passaram quase despercebidos do público em geral. Os números são ainda mais preocupantes face aos dados do ano anterior, que apresentou o segundo maior número de mortes (casos de dengue grave, ou hemorrágica) desde 1990.

O documento v8.mic.gnc.ccc.86013297, do fundo Serviço Nacional de Informações, descreve o processo de identificação da doença, inicialmente confundida com febre tifoide, na Baixada Fluminense (RJ) em 1986. Também identifica alguns pontos chave, nos anos anteriores, em relação ao combate ao mosquito, seu reaparecimento e os alertas emitidos pelas próprias autoridades públicas antes da primeira epidemia. Cita diversos especialistas e as avaliações emitidas por estes, apontando a desarticulação dos programas de saúde e imprudência de agentes responsáveis por abastecimento hídrico e saneamento, que tornaram possível a rápida proliferação do mosquito. O documento, de junho e julho de 1986, é confidencial e teve origem no escritório central do Serviço Nacional de Informações.

A fotografia ilustrativa pertence ao fundo Correio da Manhã (s,d, br_rjanrio_ph_0_fot_06171_008)

 

Recomendações de leitura

http://www.ioc.fiocruz.br/dengue/textos/longatraje.html

BRAGA, Ima Aparecida; VALLE, Denise. Aedes aegypti: histórico do controle no Brasil. Epidemiol. Serv. Saúde,  Brasília ,  v. 16, n. 2, p. 113-118,  jun.  2007 .   Disponível em <http://scielo.iec.gov.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1679-49742007000200006&lng=pt&nrm=iso>. acessos em  19  out.  2020.  http://dx.doi.org/10.5123/S1679-49742007000200006.

MACHADO, Ronaldo Ferreira. A importância da prevenção, tratamento e erradicação do vírus da dengue, como instrumento da política de saúde pública no Brasil. Educação & Tecnologia, v. 5, n. 2, 2010.

MENDONÇA, Francisco de Assis; SOUZA, Adilson Veiga; DUTRA, Denecir de Almeida. Saúde pública, urbanização e dengue no Brasil. Sociedade & natureza, v. 21, n. 3, p. 257-269, 2009.

TAUIL, Pedro Luiz. Urbanização e ecologia do dengue. Cadernos de Saúde Pública, v. 17, p. S99-S102, 2001.

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