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Entre 1939 e 1945 uma guerra generalizada envolveu tropas de dezenas de países de todos os continentes, em um embate em que a derrota de governos fascistas passou a ser mais importante do que as contradições entre democracias ocidentais capitalistas e uma ditadura comunista, ou entre metrópoles europeias e suas colônias e protetorados. Ao se encerrar, a Segunda Guerra deixou, além de um rastro de sangue, um legado de movimentos democráticos em alguns países e anti-colonialistas em outros.

Para Portugal, a situação pós-guerra mostrou-se duplamente desconfortável: por um lado, de Oliveira Salazar ditava os destinos do país em um regime autoritário que havia sido simpático aos regimes fascistas, uma ditadura que oprimiu o país entre 1932 e 1968; por outro, o país ainda mantinha o poder colonial sobre algumas possessões na África e Ásia (Moçambique, Angola, Goa), que o regime retrógado de Salazar acreditava ser fundamental para a existência mesmo de Portugal.

Por sua vez o Brasil havia obtido ganhos significativos com a guerra, tanto políticos quanto econômicos. Sua importância geopolítica acarretou vantagens em acordos comerciais e militares com os Estados Unidos, e sua participação na guerra do lado vencedor rendeu-lhe participação nos fóruns multilaterais que surgiam (Bretton Woods, 1944, que originou o Banco Mundial, e a Conferência de São Francisco de 1945 que originou a Organização das Nações Unidas, da qual o Brasil é membro fundador). Contudo, com o fim da guerra e a divisão da política internacional em dois campos principais (em torno das superpotências Estados Unidos e União Soviética), o Brasil e a América Latina deixaram de ser interesse da grande potência capitalista, que volta-se cada vez mais para áreas que considerava vulneráveis aos avanços do comunismo. Até a Revolução Cubana em 1959 a América Latina seria vista como um quintal seguro e pouco atraente em termos de investimentos. Assim, a década de 1950 se inicia com o Brasil em uma encruzilhada em termos de relações internacionais, em que vê seu poder de barganha diminuir drasticamente mas percebe que, apesar de ser um ator internacional de pouca relevância, conseguiu alcançar prestígio no cenário internacional.

Nesse cenário, as relações diplomáticas do Brasil com Portugal, a despeito do pouco volume das trocas comerciais entre os dois países, revestiam-se de importância para o Brasil pois o governo brasileiro considerava sua antiga metrópole uma conexão importante com a Europa e a África. Embora Portugal não tivesse sido aceito na ONU em função do regime salazarista, sua entrada na OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte, ou Aliança Atlântica, uma organização militar que reunia países capitalistas do hemisfério norte capitaneada pelos Estados Unidos) não foi barrada, e o Brasil considerava que relações próximas com um país da organização militar seria útil. Por sua vez, Portugal considerava que o apoio e a manutenção de relações próximas com um ator internacional emergente e bem-aceito como o Brasil eram imprescindíveis para a manutenção do seu império colonial ultramarino. Embora soubesse que o sistema colonial estava com seus dias contados, Portugal buscava adiar ao máximo o momento final, em uma tentativa de conseguir as vantagens ainda possíveis em suas relações com as colônias prestes a se libertar.

Numerosos tratados entre os dois países a partir dos anos 1940 envolveram questões comerciais, culturais, políticas. Nesse sentido, talvez a maior conquista portuguesa tenha sido a assinatura do Tratado de Amizade e Consulta, aprovado no governo de Getúlio Vargas e assinado em 16 de Novembro de 1953. O tratado estabelecia que “se consultarão sempre sobre os problemas internacionais de seu manifesto interesse comum” , além da igualdade de tratamento entre cidadãos brasileiros e portugueses por parte de ambos os governos e outras vantagens comerciais mútuas.

A aceitação do tratado por parte da colônia portuguesa no Brasil não foi unânime, uma vez que muitos questionavam a aproximação com um estado ditatorial. Entre os brasileiros, aumentava a percepção de que Salazar aproximava-se mais da figura de um ditador retrógado e violento do que do estadista autoritário e paternalista que inicialmente alguns defendiam que fosse. Mesmo assim, o tratado foi aprovado sem maiores polêmicas no meio político.

Em consequência deste tratado e da visão estreita segundo a qual valia mais a pena uma aproximação com os países do norte em função do seu capital político e econômico do que com países da própria América Latina, que poderiam se auto-fortalecer a partir da existência de demandas semelhantes, o Brasil acabou por se colocar do lado equivocado da história, apoiando o domínio de Portugal sobre países cujo presente (à época) refletia o nosso próprio passado colonial.

Arquivos:

br_rjanrio_eh_0_fot_prp_06053_d0007de0010. Presidente Juscelino Kubitschek de Oliveira (1956-1960) no Palácio do Catete: assina o Tratado de Amizade e Consulta entre o Brasil e Portugal, com Francisco Higino Craveiro Lopes, presidente de Portugal: Antônio Augusto Braga Leite de Faria (2º), Francisco Higino Craveiro Lopes (3º, ao fundo), José Carlos de Macedo Soares (4º), Nélson de Melo, chefe do Gabinete Militar da Presidência (5º), Juscelino Kubitschek de Oliveira (6º) e Pedro Calmon Muniz de Bittencourt, reitor da Universidade do Brasil (7º) em 28 de junho de 1957, Rio de Janeiro, RJ.

br_rjanrio_eh_0_fot_eve_03455_d0001de0003: Reunião da Comissão Permanente para a Aplicação do Tratado de Amizade e Consulta entre o Brasil e Portugal no Palácio Itamaraty, 28 de março de 1957, RJ.

 

Recomendação de leitura

Gonçalves, W. (2009). As relações luso-brasileiras nos anos 1950. Tensões Mundiais, 5(8), 265-290.

Santos, L. C. M. D. (2011). As relações Brasil-Portugal: do Tratado de Amizade e Consulta ao processo de descolonização lusa na África (1953-1975).

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