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Portugal viveu sob um regime autoritário, obscurantista e autocrático durante quase metade do século XX. Precedida por uma ditadura de caráter militar (1926-1933), o Estado Novo salazarista mergulhou a antiga metrópole brasileira em um longo período governado por um Estado abertamente anti-moderno, anti-direitos humanos, antiparlamentar, colonialista, corporativista e de discurso profundamente moralista. Antônio de Oliveira Salazar esteve a frente deste Estado até sua morte em 1968. Seus herdeiros políticos tentaram sustentar o regime mas ele veio a pique em 1974 com a Revolução dos Cravos e sem praticamente nenhuma voz a defendê-lo. Depois de décadas de lemas como "Deus, Pátria, Família;"  “Orgulhosamente sós”, “Tudo pela Nação, nada contra a Nação”; baixos investimentos em educação e tecnologia; boicotes de outros países europeus, que se opunham a continuidade de um regime fascista após a derrota de tais regimes na Segunda Guerra Mundial; e da imigração (sistemática e ilegal) de portugueses para outros países, havia pouco a justificar a permanência do Estado Novo.

Se em abril de 1974 a esperança estava na ordem do dia em Portugal, no Brasil a ditadura militar “comemorava” dez anos e vivia o final do seu período mais autoritário, dominado pelo draconiano AI-5 e por denúncias de tortura que, se não chegavam aos brasileiros por conta da censura, certamente alcançavam organismos internacionais como a Anistia Internacional e a própria ONU. Como outros países europeus, Portugal viu o número de brasileiros solicitando asilo político crescer depois da queda da sua própria ditadura.  

Embora a ascensão de Ernesto Geisel à Presidência em março daquele ano indicasse uma possibilidade de novos rumos na política brasileira, todo o movimento em direção a uma abertura ainda era muito incipiente. No entanto, uma nova era de pragmatismo (“responsável e ecumênico”, segundo o próprio Geisel) faria com que a diplomacia brasileira, sob a liderança do Ministro Azeredo da Silveira, deixasse de lado pudores em relação a alguns países alinhados com o bloco comunista, inclusive a China, se aproximasse dos movimentos de libertação das colônias portuguesas na África de tendência marxista e reconhecesse de pronto o novo governo instaurado com a Revolução dos Cravos.

O acolhimento aos exilados políticos brasileiros (e latino-americanos) apresentou algumas peculiaridades, e não só por uma empatia nascida do idioma e da história em comum (ou próximos):

“Em nenhum lugar isso [a solidariedade] teve a importância que teve em Portugal. Só em dois países é que poderia haver essa importância: em Portugal e na Espanha. Porque eram países que haviam vivido embaixo de ditadura. E quando você destapava a ditadura, as pessoas tinham a sensibilidade do que era estar submetido à ela, e conseguia-se, realmente, quase encarar isso como se fosse uma coisa deles. Pronto, eles eram antifascistas! Eram anti ditatoriais, eram tudo [...] Como fenômeno de massa, só poderia ter acontecido na península ibérica, pós-queda do salazarismo e do franquismo, porque as pessoas sabiam como era se viver sob uma ditadura, e de repente libertam-se, e, ao saber que tem outros assim, eles eram imensamente solidários.”[ Pedro de Andrade - entrevista concedida à Denise Rollemberg e Daniel Aarão Reis Filho realizada em Lisboa em 29 de janeiro de 1996 in Pezzonia, R. (2016). Brasileiros em Portugal: tempos de resistência, solidariedade e política.]

Algumas ações de apoio abertas a perseguidos e mortos da ditadura também ocorreram, para além do acolhimento dos exilados. Organizações de ativistas brasileiros e portugueses se articulavam para denunciar casos de tortura e as arbitrariedades do regime militar que perdurava. A partir de 1976 o movimento pela anistia cresce, com a participação de brasileiros em todos os exílios e a partir de 1979, quando da edição da Lei de Anistia, já sob a presidência de João Batista Figueiredo, muitos banidos e exilados começam a retornar.

Um dos exilados brasileiros mais notórios em Portugal era Leonel Brizola. Após o golpe de 1964, o ex-governador gaúcho exilou-se no Uruguai, de onde teve que se retirar em 1977 por pressão do governo brasileiro. Depois de curta estadia nos Estados Unidos (para onde foi convidado pelo então presidente Jimmy Carter) Brizola chega em Portugal no início de 1978, onde permaneceu até a sua anistia no ano seguinte.

BR DFANBSB Z4.DPN.PES, PFI.77 Dossiê sobre atividades de exilados brasileiros em Portugal. Divisão de Segurança e Informações do Ministério das Relações Exteriores, março-setembro de 1978

BR DFANBSB Z4.DHU.0.44 Campanha de solidariedade de Portugal com presos políticos brasileiros, janeiro de 1978. Divisão de Segurança e Informações do Ministério das Relações Exteriores.

 

Leitura recomendada:

Cateb, C. B. P. M. (2022). Um passado em comum: o exílio brasileiro em Portugal (Doctoral dissertation).

Pezzonia, R. (2016). Brasileiros em Portugal: tempos de resistência, solidariedade e política. In III Jornadas de Trabajo sobre Exilios Políticos del Cono Sur en el siglo XX 9 al 11 de noviembre de 2016 Santiago de Chile, Chile. Agendas, problemas y perspectivas conceptuales. Universidad Nacional de La Plata. Facultad de Humanidades y Ciencias de la Educación. Maestría en Historia y Memoria.

Samways, D. T. (2020). Repressão além das fronteiras: O CIEx e a espionagem brasileira em Portugal (1974-1979). Diálogos24(2), 342-357.

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