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Os trabalhos elaborados pelo IPÊS, no campo social, consideraram fatos notórios, sem qualquer apelo a fontes outras; por isso mesmo, não dispõe de documentos ou provas que especificamente comprovem os fatos citados no artigo em apreço.

Trecho do documento BR_RJANRIO_QL_0_COR_0008

 

Uma fabulação insidiosa.

Em 1964 ameaça vermelha era _ e, de forma impressionante, ainda é _ uma criação de variados grupos localizados à direita no espectro político-ideológico, incluindo militares, empresários (especialmente aqueles identificados com o grande capital corporativo internacional), parcelas da classe média enraizadas no cristianismo reacionário – entre outros. Se entre uma parcela significativa destas pessoas o medo do comunismo era real, palpável e fruto do desconhecimento de questões políticas, internacionais, econômicas e filosóficas, o mesmo não ocorria com grandes empresários, intelectuais e militares que fabricaram ao longo de anos uma crise de governabilidade para minar a popularidade de governos comprometidos de fato com a democracia e com um projeto desenvolvimentista que se propunha a promover um crescimento econômico mais independente do capital norte-americano e menos excludente. Esta concepção de desenvolvimento ultrajava frontalmente a direita brasileira, avessa à participação popular na política, aos mecanismos democráticos, a um modelo de desenvolvimento que ameaçasse a concentração de renda e fundiária do país.

O IPÊS mostrou-se peça central na construção de um cenário ameaçador – tanto em função de questões econômicas quanto da ameaça vermelha -, um verdadeiro “descalabro,” termo usado em seus filmes. Associado ao IBAD (Instituto Brasileiro de Ação Democrática), contava em suas fileiras militares como o general Golbery do Couto e Silva (homem-chave na estruturação do sistema de inteligência da ditadura militar) e empresários brasileiros e estrangeiros, além de intelectuais como os escritores Rachel de Queiroz e Rubem Fonseca.

A disseminação de boatos integrava a estratégia dos conspiradores. Depois do golpe de 1964, as revistas norte-americanas “Fortune” e “Reader’s Digest” publicaram extensas reportagens enaltecendo a organização, articulação e ação de empresários (paulistas, principalmente) para derrubar um governo “infestado de comunistas.” O que nós, hoje, percebemos como uma conspiração baseada em técnicas de propaganda para disseminar medo e ódio, e em divulgação de dados e boatos sem comprovação foi na época enaltecido como uma atitude necessária para se evitar o “comunismo.” A percepção equivocada de que João Goulart e seus aliados representavam as forças comunistas internacionais no Brasil deveu-se em grande medida à eficiente associação – igualmente equivocada – de que movimentos sociais, em ebulição na época, representam o caos e o comunismo, ameaças à suposta índole pacífica e cristã do brasileiro. Na realidade, os movimentos sociais representavam uma ameaça às classes que há muito se beneficiavam de uma estrutura profundamente concentradora de terras, renda, recursos e excludente em termos de acesso aos mecanismos de decisão política.

 

Os documentos aqui expostos oferecem um vislumbre dessa articulação. Em BR_RJANRIO_QL_0_CDI_022 o número da revista Reader’s Digest com a matéria “A Nação que salvou a si mesma” (trad. de Tha Country that saved itself), e a tradução datilografada da matéria “Quando os homens de empresa viraram revolucionários,” da revista Fortune, contam em detalhes os anos anteriores a ascensão de Goulart e como supostamente este processo ameaçou a democracia brasileira por expor o país ao comunismo soviético e permitir que os comunistas praticamente tomassem as instituições, já corroídas pela corrupção. O ofício em BR_RJANRIO_QL_0_COR_0007 mostra o interesse do Ministério da Guerra, em IPM (Inquérito Policial Militar) em obter provas dos fatos relatados na primeira matéria, explicitamente fruto de conversas com vários empresários do IPÊS citados na mesma. A resposta do Instituto, em BR_RJANRIO_QL_0_COR_0008, assinada pelo seu presidente Harold Poland, deixa claro o uso de boatos não-comprovados como forma de disseminar dúvida e medo. Os documentos são datados de outubro de 1964.

Já as atas de reunião do IPÊS em BR_RJANRIO_QL_0_OFU_0008 demonstram os métodos e o financiamento das campanhas e articulações do instituto. Interessante perceber como, em nome de uma concepção de “democracia” francamente excludente, defendia-se golpes de estado e uma “temporária” suspensão da ordem política para se evitar um suposto “mal maior.” 

A fotografia foi retirada do filme BR_RJANRIO_QL_0_FIL_0013_m0001de0001.

 Para ler:

RAMIREZ, Hernán. Empresários e política no Brasil: o Instituto de Pesquisas Econômicas e Sociais (IPES), 1961-1971. Diálogos-Revista do Departamento de História e do Programa de Pós-Graduação em História, v. 13, n. 1, p. 209-240, 2009.

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