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As fitas

O Arquivo Nacional existe há 181 anos. Ao longo desse tempo, vem acumulando documentação extremamente variada em termos de origem, tema, organização, suporte... Se inicialmente havia apenas papel arquivado na instituição, hoje temos filmes em película, cartazes de papel, fotografias em papel fotográfico, discos de acetato e de goma laca, fitas rolo, fitas magnéticas...

Não faz muito tempo a documentação sonora era não apenas doada em formato de fitas audiomagnéticas (tipo K7), mas eram também armazenadas e consultadas nesse formato. Atualmente, a reformatação do acervo transforma os arquivos nas fitas em arquivos digitais, que podem ser consultados em DVDs ou online. As 34 fitas audiomagnéticas do fundo Romualdo Pessoa Campos Filho foram digitalizadas e podem ser ouvidas on line, via SIAN.

O fundo

Romualdo  Pessoa  Campos  Filho, historiador, participou do movimento estudantil na década de 1980. É mestre em História das Sociedades Agrárias pela Universidade Federal de Goiás (UFG) e professor de  Geopolítica  do  Instituto  de  Estudos  Socioambientais  da  UFG.

Lançou o livro Guerrilha do Araguaia: a esquerda em armas em 1997, no qual apresentou depoimentos principalmente de camponeses que testemunharam os eventos relacionados a guerrilha e sofreram na carne a repressão realizada pelo exército.

Em 2009, participou do III  Seminário  Latinoamericano  de  Anistia  e  Direitos  Humanos  –  Manuel  da  Conceição,  realizado  em  Brasília,  na  Câmara  dos  Deputados,  durante o qual colaborou com  o  projeto  Memórias  Reveladas,  coordenado  pelo  Arquivo  Nacional coletando depoimentos  de  camponeses  que  viveram  os  conflitos  na  região  do  Araguaia  durante  o  regime  militar.

Em 2009, as fitas originais contendo as entrevistas realizadas entre 1992 e 1997 para o livro A esquerda em armas foram doadas ao Arquivo Nacional.

 

Guerrilha do Araguaia

O termo guerrilha tem origem na palavra espanhola guerrilla (pequena guerra), que por sua vez surgiu no contexto da resistência local à invasão de Napoleão Bonaparte no início do século XIX. Ela costuma definir determinados grupos, ou a forma de combate, envolvidos em conflitos contra inimigos que possuem estrutura, maquinário bélico e quantitativo humano infinitamente superiores. Busca valorizar ao extremo as vantagens dos ataques surpresa, das células formadas por soldados em pequeno número que agem de forma autônoma, do conhecimento do terreno em que se dá o confronto. Normalmente limita seus ataques a alvos armados ou explicitamente inimigos, preferencialmente buscando a adesão da população local. Embora estes sejam os elementos básicos que definem as táticas de guerrilha, há algumas diferenças de abordagem dependendo da situação específica.

No Brasil, grupos de guerrilha se formaram durante a ditadura militar, em especial depois do Ato Institucional número 5, dispositivo draconiano que na prática concedeu poderes ilimitados ao chefe do executivo e praticamente impediu a existência de uma oposição legal ao governo. Agindo tanto nas cidades quanto na zona rural, estes grupos, muitas vezes oriundos do movimento estudantil, tentavam minar a ditadura através de ações armadas como assaltos a bancos, sequestros de figuras proeminentes (em especial, diplomatas) e ataques a bomba em quartéis. Também buscavam denunciar as arbitrariedades e ilegalidades cometidas pelo regime, como a tortura de presos e o assassinato sumário de opositores.

A região do Bico do Papagaio, no atual estado do Tocantins, começou a ser visada por militantes comunistas desde a década de 1960, como local propício para o estabelecimento de um grupo de guerrilha rural, ou ao menos uma base de treinamento. O serviço de inteligência trabalhando para o Estado brasileiro chegou às mesmas conclusões, e passou a monitorar a área. Contudo, somente na década seguinte o Partido Comunista do Brasil concretizaria seus planos.

Espalhados na floresta, algumas dezenas de militantes se agrupavam para treino de combate, ao mesmo tempo em que se aproximavam das populações locais, formadas em sua maioria por famílias humildes. A intenção, além de treinar soldados para uma futura revolução, era transformar o local em base avançada de uma guerra de guerrilhas que acabaria por se espalhar pelo Brasil e derrubar a ditadura militar. Estes planos não chegaram nem perto de sair do papel, já que a guerrilha do Araguaia, como ficou conhecida, foi exterminada pelo exército.

Entre 1972 e 1974, as missões militares se sucederam, buscando inicialmente reconhecer a área e a população local, e depois, dizimar os guerrilheiros.

No primeiro ano, em ações de reconhecimento, civis e militares a paisana se infiltravam não apenas entre a população rural mas também nos povoados locais, em geral disfarçados de funcionários do DNER, INCRA e da Campanha de Erradicação da Malária. Nessa primeira fase, aumentaram seu conhecimento acerca do que iriam enfrentar e estabeleceram redes logísticas de apoio.

No ano seguinte, o exército saiu literalmente a caça. Se inicialmente fizeram alguns prisioneiros, nos últimos meses a ordem era a de não deixar ninguém vivo. A população local também sofreu. Com requintes de crueldade, forças do exército aprisionaram, torturaram e por vezes assassinaram camponeses extremamente humildes que na maioria das vezes desconheciam as intenções e o paradeiro daqueles jovens citadinos, impondo um clima de terror na região condizente com o terrorismo de Estado preconizado por ditaduras. A exibição indiscriminada e cruel de força realizada no Araguaia não diferiu em nada da prática corrente dos governos militares, que estabeleciam limites para suas táticas de repressão apenas na medida em que não desejavam que estas fossem investigadas por observadores internacionais. Profundamente influenciados pela Doutrina de Segurança Nacional, que transformava o comunismo internacional em um inimigo contra quem tudo poderia ser feito, os militares brasileiros exterminaram sem julgamento e contrariando todas as convenções internacionais acerca de guerra e tortura aqueles que consideravam seus maiores inimigos. 

Em 2012 o Brasil foi condenado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos a reconhecer e investigar o episódio. Indenizações foram pagas. Contudo, todas as denúncias feitas contra os militares em tribunais brasileiros foram negadas _ e a condenação destas atrocidades parece cada vez mais distante.

FOTOGRAFIAS DO ARTIGO:

BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.72049474 - mapa e fotografias atinentes à guerrilha do araguaia

Fotografias das fitas que integram o fundo Romualdo Pessoa Ramos Filho

Leitura

MECHI, Patrícia Sposito. As forças armadas e a barbárie no Araguaia: repressão a guerrilha entre 1972 e 1974. OPSIS, Goiânia, v. 14, n. 1, p. 101-119 - jan./jun. 2014

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, Procuradorias da República do Pará, São Paulo e Distrito Federal. Relatório Parcial das Investigações sobre a guerrilha do Araguaia. Brasília, janeiro de 2002.

PEIXOTO, Rodrigo Corrêa Diniz. Memória social da Guerrilha do Araguaia e da guerra que veio depois. In: Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Belém, vol. 6, nº 3, pp. 479-499, set/dez. 2011.

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