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O crime de defloramento (1890-1940)

A documentação do Arquivo Nacional traz também informações acerca das nossas mudanças culturais e comportamentais ao longo das décadas. Até mesmo os processos criminais nos ajudam a compreender detalhes interessantes dos costumes de cada período da história do Brasil. Por exemplo: você já ouviu falar do crime de defloramento? Sabia que ele constava no Código Penal de 1890? O artigo 267 era definido como o ato de “deflorar uma mulher de menor idade, empregando sedução, engano ou fraude”. Na época, era menor de idade quem tivesse até 21 anos. Para o crime em questão, a pena era de um a quatro anos de reclusão ao deflorador. O artigo vigorou de 1890 até 1940, quando houve mudança no código penal brasileiro.

Há milhares de documentos referentes aos casos de defloramento no acervo das varas criminais sob a guarda do Arquivo Nacional. Sua leitura nos traz informações relevantes: quase sempre são processos em que moças, geralmente ao lado da mãe, acusavam homens de desvirginá-las sob a promessa de casamento. Nos processos há relatos sobre os encontros entre os amantes, muitas vezes sendo anexados bilhetes com poesias e mensagens amorosas. A mulher passava por um exame médico para comprovar o ato sexual e o rompimento do hímen. Em seguida, o homem era chamado para depor. A maioria absoluta dos processos termina com a comprovação do crime e com o acusado se disponibilizando a casar com a moça denunciante. Raras vezes o homem se recusava ao matrimônio e cumpria a pena de reclusão.

A visão que a sociedade tinha sobre a mulher é um dos pontos a serem destacados. O defloramento não era considerado um crime contra a pessoa, mas sim contra os costumes. Além disso, a comprovação do ato sexual e do uso de “sedução, engano ou fraude” só levavam à condenação após uma detalhada investigação, pelas autoridades, da vida familiar, da “moral” e da “honestidade” da mulher. Isso, algumas vezes, acabava por beneficiar as ditas “damas da alta sociedade”, assim como os acusados que pertenciam a famílias mais ricas e poderosas, enquanto os homens mais pobres eram mais facilmente condenados e as mulheres de famílias mais humildes tinham mais dificuldade para obterem êxito em suas denúncias.

Entre os milhares de processos que constam no acervo do Arquivo Nacional, há um de 19 de novembro de 1934 em que o compositor Noel de Medeiros Rosa – conhecido como Noel Rosa –, à época prestes a completar 24 anos, era acusado por Lindaura Martins Neves, de 17 anos - na verdade, por sua mãe, que fez a denúncia. Acima, um trecho deste processo. Um mês depois da sua abertura, em dezembro de 1934, Noel e Lindaura se casaram e o processo foi arquivado. Viveram juntos até 1937, quando Noel faleceu vítima de tuberculose.

Os processos de defloramento podem ser buscados na base Sistema de Informações do Arquivo Nacional (SIAN), na pesquisa livre, resultando em quase três mil resultados. O código de referência do processo de Noel e Lindaura é BR_RJANRIO_CT_742.

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