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Enquanto aguardamos, ansiosos, a vacina contra o novo corona vírus, em 1975, o Brasil dava início à Campanha Nacional de vacinação contra a Meningite Meningocócica. Durante a década de 1970, o Brasil enfrentou a pior epidemia contra a doença de toda sua história, que teve início na cidade de São Paulo e logo se espalhou por outros distritos e estados.

Os números de casos e de óbitos não são precisos, pois o governo militar proibiu a divulgação dos dados, recusando-se a admitir a existência de uma epidemia, pelo menos em seus primeiros anos. O estudo A doença Meningocócica em São Paulo no século XX: características epidemiológicas, de José Cássio e Rita Barradas Barata (2005), coletou informações nos livros de registro e prontuários do Instituto de Infectologia Emílio Ribas e na Fundação Seade (Sistema Estadual de Análises de Dados) e afirma que, a incidência no município alcançou a marca de 179,71 casos por 100 mil habitantes em 1974. A taxa de mortalidade, que chegou a 14% dos infectados, acompanhou a curva, crescendo lentamente até 1973 e apresentando pico em 1974 e 1975. O surto epidêmico de meningite teve um início insidioso e tornou-se exponencial nos anos seguintes, autoridades sanitárias ignoravam os números crescentes, pois traduziam-se em propaganda negativa para o regime. O governo procurou evitar a veiculação pela imprensa da existência da epidemia, censurando jornais e omitindo dados.

No entanto, a sobreposição de duas ondas epidêmicas, uma com início em abril de 1971, provocada pelo meningococo C, e outra causada pelo sorotipo A em abril de 1974, levou a um aumento vertiginoso no número de casos, impulsionado pela falta de conhecimento da população sobre a doença. Quando não havia mais como negar a grave crise sanitária, com a curva em ascensão nas áreas centrais de São Paulo, nas principais cidades do Sudeste e em Brasília e com hospitais superlotados, o governo precisou reconhecer o problema. Assim, em julho de 1974, foi criada a Comissão Nacional de Controle da Meningite, encarregada de traçar a política de vigilância epidemiológica. Aulas foram suspensas onde houvesse casos da doença; hospitais de campanha foram construídos em escolas paulistas e os Jogos Pan-americanos de 1975, que estavam marcados para acontecer em São Paulo, tiveram que ser transferidos para a Cidade do México.

Ficou sob responsabilidade da Comissão, em caráter de urgência, a importação de 80 milhões de doses da vacina bivalente do laboratório francês Mérieux, única existente à época e que nunca havia sido utilizada em tão larga escala. As vacinas só chegariam ao Brasil no ano seguinte, quando teve início a Campanha Nacional de Vacinação contra a Meningite Meningocócica (Carmen). Ao contrários dos dados e números da epidemia, a campanha de vacinação foi amplamente divulgada nos meios de comunicação, inclusive pelos órgãos oficiais de propaganda do governo, como a Agência Nacional. As fotografias selecionadas fazem parte de dois dossiês (BR RJANRIO EH.FOT.PPU.7972 e 7973) do fundo da Agência (EH), que documentam, através de imagens, visitas do então ministro da Saúde, Paulo Almeida Machado, a postos de vacinação no Rio de Janeiro e em Niterói.

Após a imunização em massa – o plano básico de operações, organizado pelo exército, previa a vacinação de 10 milhões de pessoas em apenas 4 dias –, os casos de meningite começaram a diminuir, mas os valores só voltariam à níveis endêmicos, ou seja, com a doença restrita a algumas regiões com temporalidade bem definida, a partir de 1977.

O surto de meningite teve como saldo muitas mortes e a exposição da profunda desigualdade social brasileira, já que os bairros mais pobres e sem infraestrutura foram os mais afetados, além da fragilidade do aparelho estatal de saúde. Mas também trouxe decorrências importantes para a política de desenvolvimento científico e tecnológico do país. Segundo Nara Azevedo (2007), a estruturação da Bio-Manguinhos e da Farmanguinhos, da Fundação Oswaldo Cruz estaria associada à epidemia, uma investida para alcançar uma autossuficiência em imunobiológicos e biofármacos. Além da elaboração de uma legislação federal que colocou em prática o Programa Nacional de Imunizações (PNI), criado em 1973, e que estabeleceu um calendário de vacinações obrigatórias, elaborado pelo Ministério da Saúde de acordo com a epidemiologia das doenças que atingem a população brasileira, existente até hoje e que é um dos maiores do mundo, ofertando 45 diferentes imunobiológicos para toda a população.

 

Notação das imagens:

Paulo Almeida Machado, ministro da Saúde, inicia vacinação contra meningite no estádio Caio Martins, Niterói. 13 de janeiro de 1975. Agência Nacional. BR RJANRIO EH.0.PPU.7972

Paulo Almeida Machado, ministro da Saúde, inicia vacinação contra meningite na escola Roma, no Lido. Rio de Janeiro, 13 de janeiro de 1975. Agência Nacinal. BR RJANRIO EH.0.PPU.7073

 

Leia mais em:

Barata RB. Meningite: uma doença sob censura? São Paulo: Editora Cortez; 1988. 

Catarina Schneider. O retrato da epidemia de meningite em 1971 e 1974 nos jornais O Globo e Folha de S. Paulo. RECIIS – Revista Eletrônica de Comunicação Informação & Inovação em Saúde. Fiocruz. Rio de Janeiro, out/dez de 2015.

Nara Azevedo. Bio-manguinhos na origem: um capítulo na história da auto-suficiência tecnológica em saúde no Brasil. In: Nara Azevedo, Carlos Augusto Grabois Gadelha, Carlos Fidelis Ponte, Claudia Trindade, Wanda Hamilton. Inovação em Saúde: dilemas e desafios de uma instituição pública. Rio de Janeiro: Editora Fio Cruz, 2007.

José Cássio de Moraes; Rita Barradas Barata. A doença meningocócica em São Paulo, Brasil, no século XX: características epidemiológicas. Cadernos de Saúde Pública. Rio de Janeiro, set/out de 2005.

 

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