.

O período entre as duas guerras mundiais do século XX foi marcado, em termos políticos, pelo colapso dos regimes liberais que emergiram no século XIX nos países europeus e norte-americanos, e pela emergência de movimentos comunistas e seus antagonistas, os fascismos de todas as cores. A própria guerra travada entre 1914 e 1918, a crise econômica em especial a partir do final da década de 1920 contribuíram para colocar as instituições liberais em cheque, já que elas haviam se mostrado incapazes de impedir a eclosão de uma guerra atroz e da instalação de uma crise financeira sem precedentes.

No Brasil, às críticas tecidas pela oposição nos países industrializados do norte juntavam-se as vozes do autoritarismo nacional. Este autoritarismo, embora contasse com um forte componente tradicional que considerava o povo incapaz de tomar decisões relativas a vida política, apresentou-se com uma roupagem nova, elaborada por intelectuais (em especial, cientistas sociais, juristas e literatos) que se dedicaram a criar fórmulas e modelos políticos que consideravam adequados para as especificidades brasileiras. Uma das maiores críticas desse autoritarismo de entre-guerras no Brasil aos sistemas liberais dizia respeito justamente a incongruência destes regimes à realidade brasileira.

Este grupo de intelectuais e políticos constituíram o que podemos chamar de pensamento autoritário brasileiro, e valiam-se do nacionalismo engajado e do estado centralizador e autoritário como pilar dos seus princípios e da propaganda política. Exerceram grande influência durante o primeiro governo de Getúlio Vargas (1930-1945) e participaram da elaboração da Constituição de 1934.

“A Constituição de 1934 situa-se no terreno intermediário entre as Cartas de 1891 e 1937, não é tão liberal como a de 1891, nem tão autoritária como a de 1937. Define-se como um texto constitucional híbrido: agrega elementos das principais correntes em debate, consagrando um Estado tipicamente liberal em alguns aspectos e essencialmente  autoritário  em  outros.”[1] A Constituição mantém o poder executivo da forma como colocado na Constituição anterior; traz um legislativo robusto mas inclui princípios corporativos (como a representação classista); fortalece a União em detrimento dos estados da federação, um claro movimento contrário a tradição republicana; e confere ao Estado um papel ativo na economia, educação, trabalho e na atuação política dos cidadãos. Na prática, a Carta que se pretendia uma via alternativa entre o liberalismo e o autoritarismo acaba apresentando uma fragilidade decorrente da sua incapacidade em resolver os problemas que sua própria indefinição colocara e de responder às crescentes demandas políticas colocadas por um mundo e um país em intensa ebulição: “Mantém, portanto, uma rígida posição liberal em alguns pontos, ao mesmo tempo em que caminha para um crescente intervencionismo em outros. Como conseqüência, define-se como um texto ambíguo que camufla os principais problemas nacionais, sem conseguir efetivamente superá-los, abrindo espaço à outorgação da Carta de 1937.”[idem]

A Constituição de 1934 durou 3 anos, e algumas das suas inovações cruciais foram permanentes. O voto feminino, a preocupação com o bem-estar social (apresenta longos trechos destinados à regulamentação da ordem social, da família, educação e cultura), os interesses coletivos aos quais a própria economia deveria estar vinculada, o papel de agente ativo do Estado no desenvolvimento nacional.

José Eduardo do Prado Kelly, advogado e jornalista nascido no Rio de Janeiro em 1904 foi eleito para a Assembleia nacional Constituinte de 1933-34 pela União Progressista Fluminense, tendo sido vice-presidente da comissão que elaborou o projeto da Carta. Também foi eleito para a Constituinte de 1946.

Uma nova Constituição havia sido uma reivindicação de diversos grupos políticos que integraram o Movimento de 1930 que alçou Getúlio Vargas ao poder. No início de 1932 um novo código eleitoral foi aprovado, e suas maiores modificações incluíam o voto secreto (que coibiria o chamado voto de cabresto) e o voto feminino. Também introduzia a representação de órgãos coletivos de natureza coletiva (como sindicatos e associações patronais).

Em 1932 o Estado de São Paulo rebelou-se contra o que considerava morosidade no processo para a elaboração da nova Constituição. Esmagado o movimento, o governo federal acabou por apressar o processo eleitoral para a Assembleia. Em 15 de novembro de 1933 instalou-se no palácio Tiradentes, a terceira Assembleia Nacional Constituinte brasileira. Como de praxe, o período inicial foi dedicado a elaboração de um projeto pela Comissão Constitucional e também pela apresentação, em sessões plenárias, de emendas ao anteprojeto governamental. O “expurgo” da oposição em função da revolta constitucionalista de São Paulo tornou a Assembleia Constituinte relativamente dócil ao presidente. Apesar disso, em 1937 Vargas determinou o fechamento do Congresso nacional e iniciou uma ditadura que se apoiava em uma nova Constituição (elaborada em sua maior parte por Francisco Campos) autoritária e que duraria até 1945.

A foto aqui apresentada pertence ao fundo não-organizado José Eduardo Prado Kelly e retrata membros da Comissão de Constituição na Constituinte de 1933-34. O titular é o segundo da direita para a esquerda.

 

Cabral, R. L. (2010). Constituição e sociedade: uma análise sobre a (re) formulação da arquitetura do Estado-Nação na Assembleia Nacional Constituinte de 1933.

[1] da Silva, F. X. (2010). As Constituições da Era Vargas: uma abordagem à luz do pensamento autoritário dos anos 30. Política & Sociedade, 9(17), 259-288.

Silva, E. A. D. (2019). A Assembleia Nacional Constituinte de 1933-34: o processo de formulação da constituição de 1934 (Doctoral dissertation, Universidade de São Paulo).

Todo o conteúdo deste site está publicado sob a licença  Creative Commons Atribuição-SemDerivações 3.0 Não Adaptada.