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O Brasil passou 21 anos sob um regime militar ditatorial, um estado de exceção que limitou radicalmente as liberdades políticas e individuais. A partir de abril de 1964, as forças que tomaram o poder do Presidente da República legitimamente eleito João Goulart paulatinamente implementaram uma estrutura administrativa, política e jurídica que permitiu o domínio incontestável dos vitoriosos no golpe. De Atos Institucionais que progressivamente eliminaram direitos do cidadão e ampliaram os poderes do Presidente da República, a uma nova Constituição que referendava as crescentes arbitrariedades do regime, os governos militares sempre se esforçaram para construir um arcabouço legal, ou um simulacro deste, que amparasse sua atuação autoritária. Este esforço encontrou seu auge no Ato Institucional número 5 de dezembro de 1968, que permitia que o Presidente da República agisse sem as restrições usuais, podendo fechar o Congresso, as Assembleias, decretar intervenção em Estados e municípios (bastando para isso usar a justificativa de serem ameaça à segurança nacional), a imposição de toques de recolher e a proibição da livre reunião e circulação dos cidadãos, a censura prévia a qualquer manifestação pública, o poder de demissão e/ ou destituição do cargo de qualquer servidor público pelo Presidente da República, a blindagem do Executivo diante do Judiciário (impedindo que os Tribunais máximos do país revissem as decisões e os decretos impostos pelo Presidente) e a suspensão do habeas corpus (dispositivo jurídico que protege o cidadão das arbitrariedades e perseguições policiais).

O AI-5 consolidava uma ditadura que vinha se estruturando com bastante esmero desde 1964.

Cioso da imagem que vendia (de um governo “revolucionário” que “salvara” o Brasil dos comunistas e que, através de políticas de desenvolvimento e preocupação extrema com a segurança nacional, levaria o país de volta à democracia – em algum momento), o regime militar esforçou-se por manter de pé um simulacro de democracia através de eleições periódicas, embora apenas para alguns níveis e cerceadas por uma legislação que buscava garantir a vitória da situação.

Já em abril de 1964 o autodenominado “Comando Supremo da Revolução” (general Arthur da Costa e Silva, almirante Augusto Rademaker, tenente brigadeiro Francisco de Assis Correia de Melo) edita o que seria o primeiro de uma série de Atos Institucionais, permitindo que a junta militar (o citado  “comando supremo”) cassasse parlamentares, suspendesse direitos políticos de opositores, estabelecendo as normas para a escolha do novo presidente: ele deveria ser eleito pelo Congresso, mas o voto seria aberto _ um mecanismo de intimidação que duraria décadas e mostrar-se-ia muito eficiente. Assim, não foi difícil conseguir a vitória para o general Castello Branco.

Nos primeiros meses (talvez até mesmo nos primeiros anos, até que as eleições diretas para Presidente da República fossem definitivamente descartadas em 1965) uma boa parte da classe política apoiou o golpe; o ex-presidente Juscelino Kubitschek negociou o vice de Castelo Branco e conseguiu emplacar o pessedista José Maria Alkmin, tecendo o caminho para sua candidatura para eleições presidenciais previstas para 1965. Mas a ilusão de que a política fosse em breve funcionar de acordo com os antigos padrões de normalidade durou pouco: alheio ao acordo de cavalheiros com JK, Castelo Branco suspendeu as eleições presidenciais e ainda cassou dois dos três candidatos, o próprio Juscelino e Adhemar de Barros. Previsto para ocupar o cargo até janeiro de 1966 (um mandato-tampão), Castello sairia apenas em março de 1967, depois de ter alterado a constituição e imposto a eleição indireta para presidente.

Já nas eleições para governador em 1965 (não foi realizada em todos os Estados pois na época não eram sincronizadas) a ditadura amarga a derrota em dois dos mais populosos estados do país, Rio de Janeiro e Minas Gerais, que deram vitória aos candidatos do PSD. Com a percepção de que o apoio nas urnas não seria alcançado com a legislação vigente, o regime edita mais atos institucionais, instaurando eleições indiretas para governador e prefeitos das capitais: foi o AI-2 que, além de permitir a cassação de mandatos parlamentares, permitiu ao presidente fechar o Congresso e transformou em indireta a eleição para o sucessor de Castello Branco, além de instituir o bipartidarismo compulsório. A partir de então, somente dois partidos seriam permitidos: a ARENA (Aliança Renovadora Nacional, governista) e o MDB (Movimento Democrático Brasileiro), aglutinando aqueles que ousavam fazer oposição ao regime.

As medidas deram certo e a ARENA saiu-se vitoriosa nas eleições legislativas seguintes, em 1966 e 1970. Um dispositivo foi crucial para estas vitórias: o voto por sublegenda, sistema em que cada partido apresentava três candidatos e seus votos eram somados. Vencia o candidato mais votado do partido que viesse a obter o maior número de votos. O sistema era obviamente tendencioso, já que a oposição àquela altura tinha poucos quadros para apresentar nas disputas eleitorais (muitos haviam sido cassados, presos, exilados) e por vezes não conseguia nem apresentar 3 candidatos. O elevado grau de absenteísmo (30% em 1970 foram votos brancos ou nulos) na época indica a frustração do eleitorado, embora não impedisse a vitória do governo nas eleições citadas, ocasionando intensa propaganda em torno do suposto apoio popular recebido.

Apenas em 1974 o jogo se inverteu, com a derrota acachapante da ARENA em quase todos os estados, tendo eleito senadores apenas em estados economicamente pouco representativos (à exceção da Bahia), o que ocasionou uma nova manipulação das regras eleitorais e a criação da figura “senador biônico” – história para uma próxima matéria.

A página de jornal aqui apresentada pertence ao fundo Correio da Manhã (BR RJANRIO PH.0.TXT.645), que além de milhões de fotografias também apresenta extensa documentação textual (especialmente, recortes). A página do jornal, datada de janeiro de 1970, salienta a importância das eleições a ocorrerem no final daquele ano, da cassação de 30% dos integrantes do Congresso eleito em 66, e discute a presença de jovens no eleitorado.

 

 

ALENCASTRO, Luiz Felipe de. O golpe de 1964 e o voto popular. Novos estudos CEBRAP, p. 5-11, 2014.

NEPOMUCENO, Julio Arthur Marques. AS ELEIÇÕES SABOTADAS NO INÍCIO DO REGIME MILITAR. Revista Direito em Foco – Edição nº 12 – Ano: 2020. UNISEPE. 

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