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Mulheres na política

As mulheres representam mais de metade da população e do eleitorado brasileiros. E no entanto, nas eleições de 2012, 8.287 mulheres foram eleitas, correspondendo a somente 13,19% do total de eleitos. Embora exista um dispositivo que garante 30% das candidaturas às câmaras legislativas para mulheres, as vagas nunca chegaram a ser preenchidas por falta de mulheres eleitas. Aliás, ao longo das últimas eleições, percebemos uma estagnação e mesmo uma diminuição da representatividade feminina no Congresso Nacional, que atualmente conta com 10% de mulheres. Em um ranking com 188 países, o Brasil se encontra na posição 156 em termos de representação feminina no legislativo. Nas Américas, somos melhores apenas que Panamá, São Cristóvão, Haiti e Belize. Esta impressionante situação de sub-representação dificulta o debate em torno das desigualdades e violências das quais a mulher é vítima em uma sociedade historicamente patriarcal, resultando na ausência de legislação relevante para a melhoria da situação da mulher e de uma atuação efetiva do poder público no sentido de minimizar a situação de desigualdade e violência a que elas estão submetidas. 

Apesar da situação dramática em que nos encontramos atualmente, o Brasil testemunhou uma atuação pioneira do movimento sufragista no início do século passado.

Em 1919 a professora e ativista feminista Leolinda Daltro tenta se candidatar às eleições municipais em São Paulo, mas tem seu registro cassado. Na época, juridicamente falando a questão do voto feminino e da participação das mulheres na política encontrava-se em um limbo criado pela indefinição da Constituição vigente, de 1891, que não vetava e nem permitia explicitamente essa participação. Tentativas como de Leolinda repetiram-se esporadicamente ao longo dos anos mas sempre esbarraram na ausência de legislação e jurisprudência capaz de deitar por terra a interpretação machista da Carta Maior. Mas em 1927, no Rio Grande do Norte, foi editada uma lei pelo então governador Juvenal Lamartine facultando às mulheres a participação nas eleições, votando e sendo votada. Celina Guimarães foi a primeira mulher a se alistar em nosso país, e dois anos depois, a primeira mulher eleita por voto direto foi alçada à prefeitura de Lages: Alzira Soriano.

O código eleitoral de 1932, elaborado já no governo de Getúlio Vargas, alçado à Presidência pelo Movimento de 1930 estabeleceu em letra o direito das mulheres ao voto, confirmado na Constituição de 1934. Em 1933 é eleita a primeira deputada federal brasileira, Carlota Pereira de Queirós, de São Paulo, que participa da Constituinte instaurada naquele ano; Antonieta de Barros foi a primeira deputada estadual negra, eleita para a Assembleia de Santa Catarina naquele ano – feito impressionante, considerando-se que o racismo é tão ou mais arraigado que o machismo em nosso país. Mas em 1937 o direito de votar e ser votado/a é interditado a todos os brasileiros, com o golpe que instaura a ditadura varguista que entrou para a história com o nome de Estado Novo.

Nas décadas seguintes, o número de mulheres candidatas - e eleitas – aumentou, mas de forma lenta, a ponto de quase cem anos depois da instauração do voto feminino a situação ainda ser tão desalentadora quanto a descrita no primeiro parágrafo. Forçoso dizer que o fato de termos vivido por 28 anos sob ditaduras entre 1937 e 1985 em nada contribuiu para a ampliação da participação feminina na política, ao contrário: alienando toda e qualquer discussão política que ampliasse direitos e questionasse desigualdades, os governos autoritários impedem a diminuição da desigualdade social, política e econômica.

Apenas em 1979 uma mulher - Eunice Michilis - assume uma cadeira no senado, depois da renúncia do titular. Nas eleições de 1985, Maria Gardenia Santos Ribeiro Gonçalves (PDS), de São Luís (MA), e Maria Luiza Fontenelle (PT), de Fortaleza (CE), são eleitas as primeiras prefeitas de capitais. A primeira governadora a assumir, Iolanda Flemming, não foi eleita, mas assumiu quando o titular foi para o senado em 1986. Em 1994, Roseana Sarney (PFL) torna-se a primeira mulher eleita a assumir o governo de um estado, no caso, o Maranhão. Até hoje, apenas seis estados elegeram mulheres: Rio Grande do Norte (3 mulheres), Maranhão (a mesma mulher, 3 vezes), Pará, Roraima, Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro, uma cada. Em 2010, elegemos a primeira Presidenta da República, Dilma Roussef (PT), reeleita em 2014.

A baixa representatividade feminina integra um círculo vicioso que impede que as mulheres conquistem um espaço equivalente ao dos homens. Com um mercado de trabalho preconceituoso que além de estereotipar o gênero feminino ainda paga salários mais baixos, uma cultura de violência que vulnerabiliza as mulheres (temos o quinto maior índice de feminicídio do mundo) e baixa participação feminina na política institucional o Brasil se encontra preso a engrenagens arcaicas que reproduzem a desigualdade entre os gêneros. Mais do que pautas políticas e ações do poder público, a presença equitativa das mulheres nas instituições garante sua visibilidade e existência como agente atuante na sociedade, no mesmo pé que os homens, incentivando as jovens gerações a aceitarem esta igualdade e a lutarem por ela.

Documentos:

br_rjanrio_q0_adm_cor_a927_0049_d0001de0001: Telegrama de Eliseu de Oliveira Viana informando a inclusão de Celina Guimarães Viana como primeira eleitora de Mossoró no Rio Grande do Norte. Novembro, 1927. Federação Brasileira pelo Progresso Feminino

br_dfanbsb_v8_mic_gnc_aaa_86059188_d0001de0001: MARIA LUIZA FONTENELLE, ATIVIDADES (DOSSIÊ). Serviço Nacional de Informações.

br_dfanbsb_v8_mic_gnc_qqq_86003251_d0001de0001 (link): REAÇÕES A ADMINISTRAÇÃO DA PREFEITA DE SÃO LUIS MA, MARIA GARDENIA SANTOS RIBEIRO GONÇALVES (DOSSIÊ). Janeiro, 1986. Serviço Nacional de Informações.

br_rjanrio_q0_adm_cor_a929_0112_d0001de0001 (link): Cartas e telegrama de Alzira Soriano agradecendo os recortes de jornais; falando da luta do feminismo; relatando os seus feitos na Prefeitura; bem como comentando a oposição à sua pessoa e elogiando Bertha Lutz e Juvenal Lamartine, presidente do estado do Rio Grande do Norte. Janeiro, 1929. Federação Brasileira pelo Progresso Feminino

  

Leituras:

dos Santos, C. L., & Furlanetto, C. P. (2019). Participação feminina na política: exame da Lei nº 12.034/2009 e a previsão de cotas de gênero. Revista de Informação Legislativa56(223), 191-211.

Ribeiro, E. A., & de Oliveira, R. A. (2014). Cultura política e gênero no Brasil: estudo sobre a dimensão subjetiva da sub-representação feminina. Revista Política Hoje22(1).

 

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