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Em outubro de 1963 uma atuação escandalosa de forças de segurança pública, com o apoio de seguranças privados, ceifou a vida de várias pessoas na cidade de Ipatinga, interior de Minas Gerais – incluindo uma bebê e um metalúrgico que registrava o tumulto. A ação deu-se contra uma paralisação operária que transcorria na Usiminas local. O número de vítimas oficiais é 8, mas testemunhas afirmam passar de 30.

A siderúrgica estatal Usiminas foi instalada em 1958 no distrito de Ipatinga, então pertencente ao município de Coronel Fabriciano, Minas Gerais. De forma similar ao ocorrido com a Companhia Siderúrgica Nacional em Volta Redonda, Rio de Janeiro, a empresa construiu bairros inteiros e responsabilizou-se por serviços públicos na região, inclusive pela segurança, realizada pela guarda da empresa com o suporte da PM.

A Usiminas em Ipatinga apresentava precárias condições de trabalho e habitação de baixa qualidade: especialmente na primeira década de existência, quase toda a verba disponível era canalizada para a construção, finalização e compra de equipamentos da planta. Sobrava pouco para melhorar atendimento médico, as moradias, o equipamento urbano público. O relacionamento entre operários, chefia e segurança trazia mais tensão, posto que marcado pelo autoritarismo e pela mesquinharia: por exemplo, fazia parte do serviço dos vigilantes  impedir que trabalhadores levassem para casa parte do lanche que era oferecido pela empresa ao longo do turno de trabalho. Os trabalhadores eram tratados com violência e vigiados atentamente, dentro e fora da fábrica; viviam em condições de moradia precárias; a jornada para o trabalho era perigosa e desconfortável, realizada em caminhões abertos; a comida, ruim e regulada. Ou seja, um contexto propício a revoltas e conflitos.

Na noite de 6 de outubro de 1963 um confronto entre trabalhadores e forças de segurança teve início no momento da ofensiva revista à saída do trabalho. O conflito se generalizou, e logo a polícia cercou uma das áreas de alojamento e prendeu cerca de 300 pessoas. A atuação violenta da PM só fez acirrar os ânimos, e nos alojamentos vizinhos os trabalhadores começaram a quebrar a iluminação pública e a erguer barricadas. O pároco local consegue apaziguar os ânimos momentaneamente, após negociar uma reunião entre representantes dos trabalhadores e a direção da empresa, mas na manhã seguinte os trabalhadores se recusam a entrar na usina, aguardando o desfecho da negociação de braços cruzados.

Os operários não possuíam armas. Indignados não apenas com o ocorrido na noite anterior mas com as condições de trabalho na usina, eles se aglomeravam ansiosos, dispostos a encarar os soldados que se encontravam em cima dos seus veículos armados de fuzis. Ao final da reunião – que terminara de forma pacífica e em acordo – a agitação dos operários é tomada pelos soldados como fúria ameaçadora, e eles abrem fogo pesado contra uma multidão desarmada.

O episódio tornou-se conhecido como o Massacre de Ipatinga. Ocorrido às vésperas da ditadura militar, os poucos meses antes de abril de 1964 não bastaram para uma investigação que apontasse os culpados de forma abrangente. De todo modo e historicamente falando, no entanto, poucas foram as vezes no Brasil que as forças de segurança pública pagaram por crimes cometidos contra o povo. Mesmo nas últimas décadas, sob a égide da democracia e de uma constituição-cidadã, a violência de Carajás, Volta Redonda, Jacarezinho e outras tragédias permanece impune.

O Inquérito Policial Militar que chegou a ser aberto apontou 20 responsáveis, mas as vítimas foram não só silenciadas como culpabilizadas pelo massacre, e seus algozes, elevados à categoria de heróis por terem agido contra uma “horda de subversivos.” O processo aberto tornou-se uma farsa, carregada de comunistas infiltrados, armas perigosas nas mãos de operários, agentes internacionais insuflando trabalhadores. Sabemos hoje com certeza que nenhuma dessas acusações tinha fundamento e não passavam de fakes news das mais insidiosas, fabricadas para legitimar os crimes cometidos pelo Estado.

Considerado uma grave violação aos direitos humanos no âmbito da Comissão Especial para Mortos e Desaparecidos Políticos e das Comissões da Verdade que surgiram a partir dos anos 1990, o episódio conta com documentação – em especial relatórios - no Arquivo Nacional, nos fundos relacionados a estas duas entidades.

Em 2004 o primeiro processo por indenização foi aprovado, e logo seguiram-se muitos outros.

BR DFANBSB AT0.0.0.275                Processo para indenização por morte decorrente de repressão policial. O documento inclui reportagens de jornal, depoimentos das vítimas, texto narrativo e explicativo do massacre e condições da usina, publicação “40 anos do massacre de Ipatinga,” relatório de pesquisa da UFMG sobre o caso.    Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos. Ano: 2004

 

BR DFANBSB AT0.0.0.415                Processo para indenização por morte decorrente de repressão policial. O documento inclui reportagens de jornal da época do ocorrido, fotografias, documentos da vítima, publicação de 1984 denominada O massacre de Ipatinga.  Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos. Ano: 2004.

 

BR DFANBSB AT0.0.0.638               Processo para indenização por morte decorrente de repressão policial. Conta com matérias de jornais, publicação da UFMG, fotografias. Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos. Ano: 2004.

 

BR RJANRIO CNV.0.CVE.00092000510201590      Relatório final da Comissão Nacional da Verdade, de dezembro de 2014.

 

Leitura sugerida

Relatório da Comissão Nacional da Verdade, supracitado.

Gouvêa, Viviane. Extermínio: 200 anos de um estado genocida. Planeta, 2022.

ROCHA, M. F. Não foi por acaso: a história dos trabalhadores que construíram a Usiminas e morreram no massacre de Ipatinga. Anais eletrônicos do V Encontro Nacional de História Oral. Recife, 26. Ano: 2010.

 

 

 

 

 

 

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