Viviane Gouvêa
Mestre em Ciência política e pesquisadora do Arquivo Nacional
Mais de 200 milhões de pessoas moram no Brasil. São quase 70 milhões de domicílios e 102 milhões de aparelhos de televisão. Estima-se que apenas 2.8% dos lares braileiros não possuam uma TV.
A despeito da veloz disseminação da internet (por celular, PC, tablet) a televisão permanece como o mais onipresente dispositivo de comunicação no Brasil, reinando como maior fonte de informação sistematizada e entretenimento geral (de novelas a campeonatos de futebol).
Desenvolvida nas décadas de 1920 e 30, popularizada na Europa e Estados Unidos a partir do final da Segunda Grande Guerra, a televisão aportou no Brasil em 1950.
Entrando nas casas brasileiras
Assis Chateaubriand, um dos grandes magnatas do setor de imprensa e comunicação do Brasil no século XX, proprietário dos Diários Associados (um dos maiores conglomerados de mídia da América Latina), importa cerca de 200 aparelhos de televisão para que os programas da primeira emissora de TV do país pudessem ser assistidos por um público seleto. A primeira transmissão aberta, em setembro de 1950, inaugurou a TV Tupi de São Paulo, que em breve também ganhou uma filial no Rio de Janeiro. Nos anos seguintes, surgiriam a TV Record, TV Rio, Itacolomi, Excelsior, Radioclube, Continental, Globo.
O improviso marca os primeiros anos da TV no Brasil. Realizada ao vivo por profissionais sem experiência no novo veículo e muitas vezes oriundos do rádio, a programação contava com teleteatro e seu derivado, a telenovela, programas jornalísticos - inclusive a versão televisiva do radiofônico Repórter Esso-, humorísticos e também as velhas inserções comerciais. Câmeras pesadas, usadas exclusivamente em estúdio, dificultavam o desenvolvimento de programas mais ágeis, dinâmicos. Durante anos o telejornalismo permaneceria limitado a leitura de notícias em estúdio, com inserções de fotografias e outros recursos visuais simples.
A profissionalização da TV marcou a década de 1960, e o antigo amadorismo faz-tudo herdado do rádio, em que atores faziam as vezes de sonoplastas, foi substituído por um nível maior de organização das atividades e treinamento específico dos profissionais envolvidos. Também a popularização do veículo intensificou-se nesta década, em consequência do incentivo à produção de aparelhos de TV pelo governo de JK. Entretenimento e informação: os dois pilares nos quais as emissoras se apoiavam para atraírem o público, a partir de então conhecido por “telespectadores.”
A profissionalização do veículo relaciona-se com o aporte financeiro oriundo do seu uso comercial, ou seja, da venda de espaços publicitários, cada vez mais cobiçados em uma década em que, se por um lado uma nascente classe média urbana interessava-se pelo que via nas telas _ novelas, notícias e os produtos anunciados por uma indústria de bens de consumo em expansão_, por outro o desenvolvimento da produção de televisores no Brasil permitia uma certa popularização do produto, que passou a entrar em um número cada vez maior de lares brasileiros.
Para atrair anúncios pagos, as emissoras precisavam se esforçar para atrair audiências, o que em grande medida encontra-se na origem da diversidade de programação desde seu início. Programas infantis, festivais de música para os jovens, e programas para toda a família. Programas de auditório começaram a ser produzidos no intuito de atrair público diversificado, e em alguns casos, podiam mesmo acabar se transformando em shows bizarros de exibição da desgraça alheia ou do “mundo cão” das grandes cidades.
As telenovelas ganharam uma cara brasileira e se tornaram carro chefe daquela que seria em breve a maior emissora do país, a Tv Globo. Com a diminuição do tamanho das câmeras, o jornalismo ganhou mais velocidade e algumas externas eram gravadas pelas próprias emissoras para serem exibidas no mesmo dia. A introdução do videotape (fitas magnéticas reaproveitáveis que gravavam imagem e som) na década de 1960 liberou a televisão do uso limitado (para este veículo específico) das películas e equipamento cinematográfico, e permitiu que ela desenvolvesse uma linguagem própria.
Também data dos anos 1960 o investimento em TVs educativas, em geral públicas, em especial a partir do momento em que a UNESCO passou a realizar campanhas internacionais, inclusive pressionando países membros, no sentido de usar o poderoso veículo para fins educativos. A TV Educativa, a TV Cultura e, já no século XXI, a TV Brasil foram criadas pelo governo federal e sempre espelharam as disputas políticas em nosso país.
A ditadura militar
Em 1964 um golpe militar põe fim ao período democrático iniciado com a queda do Estado Novo em 1945. Um projeto de desenvolvimento desigual e dependente de capital e tecnologia externos é implementado, assim como uma repressão insidiosa sobre os movimentos populares e sobre qualquer voz dissonante. A censura se abate sobre a imprensa, sobre as artes, sobre a cultura.
O Ministério das Comunicações surge em 1967, assim como a nova Lei de Imprensa, e o processo de concessões passa a se orientar por diretrizes da política de segurança nacional dos governos militares.
Os grandes conglomerados midiáticos, embora no alvo dos censores e dos agentes de repressão, raramente deixavam de colaborar com o governo instituído. O regime militar percebia a comunicação eletrônica _ ou seja, principalmente a televisão _ como um dispositivo fundamental de manutenção da ordem e de propaganda, além de veículo essencial para a construção de uma identidade nacional forjada segundo as concepções peculiares às elites que ocupavam o poder. Por outro lado, as grandes emissoras beneficiavam-se dos altos investimentos em tecnologia de ponta implementados pelos governos militares, que a partir da virada para a década de 1970 permitiu a integração de todas as regiões do Brasil via satélite. Além do mais, a expansão do mercado consumidor urbano alimentava-se d publicidade que cada vez mais se via nas telas.
A Embratel (Empresa Brasileira de Telecomunicações, estatal responsável pelas comunicações a distância, via satélite) nasceu em 1965, e 3 anos depois era inaugurado o sistema Embratel. Ele interligava a comunicação por telefonia, áudio e TV de todo o Brasil através redes de microondas, assim permitindo que todo o país assistisse os mesmos programas, na mesma hora. As implicações dessa nova forma de se informar e divertir não tardaram a se impor: logo os mesmos padrões de comportamento e consumo passaram a se espalhar pelas cidades brasileiras de norte a sul, assim como uma agenda política em comum, transmitida pelos telejornais nacionais das grandes emissoras e suas afiliadas e retransmissoras.
Em 1972 inicia-se a transmissão a cores no sistema via Embratel, com a cobertura da Festa da Uva em Caxias do Sul (RS), em fevereiro daquele ano e com a presença do então Presidente Emílio Médici.
A despeito das relações amigáveis dos grandes meios de comunicação com os governos militares, a censura abateu-se sobre estes com o mesmo vigor com que vigiava jornais independentes e peças de teatro, embora a “censura interna” dos canais de televisão em geral agisse como um filtro de potenciais transgressões às regras (por vezes tácitas) que limitavam a disseminação de notícias que aviltassem a imagem do regime militar. Denúncias de tortura só eram divulgadas no exterior, e mesmo situações calamitosas de saúde pública se agravaram em função de obstinado negacionismo oficial diante de crises sanitárias.
O entretenimento televisivo sofreria mais com a ação dos órgãos de censura, fazendo com que novelas fossem integralmente suspensas (caso de Roque Santeiro em 1975), tivessem extensas cenas cortadas, prejudicando sua compreensão ou sofressem com a interferência dos censores no enredo e no desenvolvimento da trama. Se nos anos 1970 o alvo principal eram as discussões políticas e a imagem do país (em uma acepção ampla), na década seguinte, já em um clima de abertura política e redemocratização, a preocupação maior dos censores voltou-se para questões morais, comportamentais. Em algumas ocasiões, contudo, como o movimento pelas Diretas-Já, tanto a vigilância do governo militar quanto a própria auto-censura voltavam a se impor em assuntos políticos, limitando o acesso do público aos movimentos que ocorriam em várias cidades do país.
Além do fim da censura, definitivamente enterrada com a promulgação da Constituição em 1988, a década de 1980 trouxe uma inovação que mudaria os rumos da televisão: a tecnologia digital, que passaria a ser usada sistematicamente na década seguinte, simplificou exponencialmente todo o processo de captura de som e imagens, armazenamento, edição e difusão dos sinais.
TV a Cabo e outras ondas
A TV a Cabo surgiu no Brasil com mais de uma década de atraso em relação a outros países da América do Sul, a despeito do tamanho do seu mercado potencial, e mesmo nos primeiros anos da década de 1990 encontrou dificuldades para sua expansão, principalmente devido ao alto preço dos módulos receptores e das desavenças em torno da regulamentação do mercado e das tecnologias envolvidas.
A globalização e a internacionalização alcançaram um patamar sequer imaginado nas décadas anteriores, e parcerias com conglomerados internacionais se tornaram frequentes.
As transmissões por cabo e assinatura possuem uma legislação específica (lei 8977, de 1995), e a partir da regulamentação do setor houve uma expansão do mesmo, já às portas do novo século. No entanto, a era da tv por assinatura talvez nem tenha se estabelecido no Brasil sendo “interceptada” pelos serviços digitais de streaming antes que conseguissem amealhar uma fatia significativa do mercado.
Em 2006 o decreto 5.820 estabelece as diretrizes para a transição da televisão analógica para a digital. A nova tecnologia possibilita transmissão de sinais em HDTV, transmissão simultânea do sinal de TV para aparelhos fixos, móveis e portáteis e interatividade. A faixa analógica para TV vem sendo desconectada desde 2016 e deve ser concluida em 2023.
As primeiras empresas de TV por assinatura foram a Globosat (grupo Globo) e a TVA (grupo Abril), e logo depois a NET , todas no início dos anos 1990. O mercado de produtoras independentes de conteúdo para televisão começou a se formar de fato nesta época, e além delas, as empresas assinavam contratos com canais norte-americanos (principalmente) como a HBO, a CNN, a Sony.
Este modelo de programação pouco se alterou, mas a baixa qualidade dos programas e a programação pobre vêm afastando assinantes deste serviço, que já sofre concorrência intensa das empresas de streaming como a Netflix.
Regulamentação e política
O termo coronelismo eletrônico é usado para definir os usos políticos das concessões dos meios de comunicação por grupos familiares e elites regionais. A troca de concessões de rádio e televisão no Brasil por apoio político local é prática antiga que permanece viva até os dias de hoje. Indo além da mera associação entre empresários e políticos, a legislação vigente possui brechas que permitem que políticos profissionais sejam donos de emissoras, o que potencializa seu poder político. A legislação vigente também falha ao não impedir a formação de grandes oligopólios midiáticos.
A legislação sobre televisão remonta ao primeiro governo Vargas (1930-1945), que definia todo o setor relacionado às concessões do espaço (limitado) de ondas eletromagnéticas, onde a transmissão televisiva, além da radiofônica, funciona. Os decretos 20.047, de 1931, e 21.111, do ano seguinte, regulam a execução dos serviços de radiocomunicações no território nacional, incluindo serviços da radiocomunicação, a radiotelegrafia, e radiotelefonia, a radiofotografia, a radiotelevisão, e quaisquer outras utilizações de radioeletricidade, para a transmissão ou recepção, sem fio, de escritos, sinais, imagens ou sons de qualquer natureza por meio de ondas hertzianas.
A legislação, seguindo o padrão da época, tendia para o autoritarismo, concentrando todo o poder de instalação, fiscalização e controle para o Estado, para o Presidente da República. Embora a legislação tenha sofrido a influência da legislação norte-americana, apresentava aspectos de interferência estatal que aquela não possuía, e pior: não contava com dispositivos cruciais para a limitação do poder de influência das empresas midiáticas. Nos Estados Unidos, existem 25 critérios que devem ser seguidos para que o candidato consiga uma emissora. Por exemplo, ele não pode ter um jornal que circule no mesmo município, e também deve transmitir apenas 18% de programação própria, sendo que o resto deve ser adquirido junto a produtoras independentes. Tais mecanismos evitam o monopólio da programação e uma concentração das várias fontes de informação (rádio, tv, jornal) nas mãos de uma mesma empresa, família ou pessoa.
Nos anos 1960 o setor contou com uma nova onda de regulamentações. O Conselho Nacional de Telecomunicações (CONTEL) foi criado em 1961, subordinado ao Presidente da República. Em 1972 ele deu lugar ao Conselho Nacional de Comunicações, órgão integrante do Ministério das Comunicações.
Em 1962 o Código Brasileiro de Telecomunicações é aprovado pelo Congresso Nacional, consolidando a regulamentação da área de telecomunicações e radiodifusão no Brasil. O código unificou padrões em termos nacionais, em termos técnicos e burocráticos, abrindo caminho para o estabelecimento de redes de difusão que cobrissem todo o território.
Foram realizadas desde então algumas tentativas no sentido de limitar a formação de grandes conglomerados de comunicação, assim como a interferência e/ ou posse de empresas de mídia por grupos estrangeiros, desde o decreto-lei 236 até a própria Constituição de 1988, sem muito sucesso, em especial depois da formação do sistema integrado Embratel, via satélite.
Atualmente, embora o Presidente da República ainda detenha o poder de outorgar as concessões, estas devem ser apreciadas pelo Congresso Nacional. Contudo, se lembrarmos do quanto as concessões são usadas como moeda de troca no Brasil, esta parece ter sido uma medida pífia de tentar diminuir os usos políticos do sistema de concessões.
Desde a redemocratização existe uma pressão por parte de entidades da sociedade civil no sentido de mudar a legislação vigente e regulamentar as relações entre as empresas de comunicação e o público. Estas tentativas, bastante articuladas na década de 1990 e de 2010, esbarram sistematicamente no poderoso lobby dos grandes conglomerados. Algumas destas empresas estão entre as maiores do país, e detém enorme capital financeiro e político, sendo capazes inclusive de derrubar e eleger presidentes _ e exemplos destas práticas não são incomuns ao longo dos últimos 30 anos.
O acervo do Arquivo Nacional permite acompanhar essa história, que já tem mais de 70 anos, desde seu início. Das regulamentações iniciais às propagandas veiculadas, de fotografias dos estúdios (telenovelas, telejornal, programas infantis e de auditório) e dos grandes festivais de música aos registros dos órgãos censores, passando pela vigilância e controle exercidos pelo governo militar e trechos de programas televisivos, a instituição abriga fotografias, relatórios, leis, ofícios, filmes, arquivos sonoros em diversos fundos como SNI, Mário Lago, SCDP e DCDP, Agência Nacional, Correio da Manhã, IBASE, TV Tupi e outros.
Arquivos
BR RJANRIO NO.0.FIL.541 Incêndio na TV Record São Paulo _ Reporter Esso, 1966. Tupi
BR RJANRIO PH.0.FOT.879.2 Inauguração da TV Continental, com JK ao fundo, 07/1959. Correio da Manhã.
BR DFANBSB 1M.0.0.1790 Recibos diversos por venda de espaço publicitário em emissoras de televisão, 1967. Comissão geral de investigações.
BR RJANRIO PH.0.FOT.892.010 Festival de música organizado pela TV Tupi. S.d. Correio da Manhã
BR RJANRIO PH.0.FOT.877.2 Silvetes do Programa Sílvio Santos, TV Globo. 12/1972. Correio da Manhã.
BR RJANRIO PH.0.FOT.892.003 Bastidores da TV Tupi, 07/1970. Correio da Manhã
BR RJANRIO PH.0.FOT.880.002 Freiras acompanham programa educativo sem precisar sair do claustro. S.d. Correio da Manhã.
BR DFANBSB VAZ.0.0.18030 INFORME N° 71/A-2/IV O jornalista Wladmir Herzog foi assassinado em outubro de 1975, pelo DOI-CODI de São Paulo, Na época ele estava a frente da TV Cultura de São Paulo e seu trabalho era considerado subversivo. COMAR : TV Cultura de São Paulo, 10/1975. Centro de informações e segurança da aeronáutica.
BR DFANBSB 2M.0.0.21, v.1 Relatório das atividades do Estado-Maior das Forças Armadas, em que diversos aspectos da situação nacional são avaliados, inclusive o setor de telecomunicações e sua importância estratégica, a atuação do Contel, da Embratel, entre outros, 1966. Estado-maior das forças-armadas.
BR RJANRIO EH.0.FOT, PRP.9266 Inauguração da Estação Terrena de Comunicações Internacionais Via Satélite, distrito de Tanguá, Itaboraí, RJ. 02/1969.
BR DFANBSB N8.0.PSN, EST.710 Em 1966, a TV Globo, em plena expansão a caminho de se tornar um dos maiores conglomerados de mídia do mundo, assina um acordo com o conglomerado midiático norte-americano Time-Life, que resultaria em aporte financeiro e profissionalização do empreendimento. O acordo foi considerado ilegal, mas o aprendizado técnico adquirido enquanto durou rendeu frutos a emissora da família Marinho. Comissão Parlamentar de Inquérito contra Rede Globo, 1966. Conselho de Segurança Nacional.
BR RJANRIO EH.0.FIL, BHO.13 Inauguração da 12ª Festa da Uva e 6ª Exposição Agro-industrial, em Caxias do Sul, RS, 1972. Agência Nacional
BR RJANRIO NO.0.FIL.712 Programa “Discoteca do Chacrinha”, 1974. Tupi