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O Tratado de Petrópolis de 1903 estabelecia fronteiras entre o Brasil e a Bolívia, resultando na incorporação definitiva da região que hoje constitui, grosso modo, o estado do Acre. Os dois países haviam passado décadas em litígio em torno de uma região que não fora efetivamente ocupada pelo estado boliviano e permanecia ocupado basicamente por tribos nativas (indígenas), alheias a todo o processo de negociação das terras em que viviam por governos que ignoravam completamente sua existência.

Desde as últimas décadas do século XIX indivíduos provenientes de Manaus e Belém passaram a explorar seringais da região, cujo acesso se dava muito mais facilmente através dos rios do lado brasileiro do que do lado boliviano, excessivamente montanhoso. Mas em 1899 o governo boliviano ensaia uma tentativa de efetivar a ocupação da região, e os eventos que se sucederam resultaram na fundação da República Independente do Acre.

Essa história aparentemente pitoresca é pouco conhecida dos brasileiros, como de resto, muito do processo de ocupação da região amazônica. Semana que vem traremos mais discussão acerca desta região do Brasil, com documentos do Arquivo Nacional a ela pertinentes.

 

 

A região do atual estado do Acre foi objeto de disputa entre Brasil e Bolívia durante décadas, contenda resolvida com o Tratado de Petrópolis, assinado em 1903 e aprovado pelo Congresso em 1904. A região, embora reconhecida como sendo da Bolívia pelo Império brasileiro desde 1867, não havia passado por um processo de demarcação das terras em questão e muito menos por uma ocupação efetiva por parte da Bolívia nos anos subsequentes.

Com a expansão do mercado internacional da borracha, nas últimas décadas do século XIX, os seringais de toda a região amazônica despertaram o interesse de investidores e governos. Por ser mais acessível pelo lado brasileiro, o Acre logo recebeu levas de trabalhadores e investidores de outras regiões, justamente no momento em que o governo boliviano voltou seus olhos para seus seringais, abrindo um posto de alfândega (com permissão do governo brasileiro) em 1899, que receberia uma porcentagem do comércio realizado. No entanto, em julho deste mesmo ano, o espanhol Luiz Galvez Rodrigues de Árias, apoiado pelo governador do estado do Amazonas, José Cardoso Ramalho Júnior, e pelos donos de seringais, que formam a Junta Revolucionária de São Jerônimo, proclama a República Independente do Acre. O governador amazonense alegava que a alfândega boliviana prejudicava a receita do estado do Amazonas , e por isso apoiava (inclusive financeiramente) a revolta acreana.

Em março do ano seguinte esta primeira República acreana é encerrada com o envio de um navio militar brasileiro. Contudo, o governo boliviano continuou a não se interessar em ocupar o território, e em vez disso começou a abrir concorrência para o arrendamento de toda a região para empresas americanas e inglesas, que explorariam as seringueiras. O interesse boliviano limitava-se a obter um percentual dos lucros produzidos pelo mercado da borracha. Em fins de 1900, indivíduos oriundos de Manaus dirigiram-se a região e formaram a Expedição dos Poetas, e uma segunda República do Acre foi fundada, mas logo dispersada por soldados bolivianos.

Uma vez que o estabelecimento de uma alfândega não surtira o efeito necessário, a proposta boliviana era transplantar o modelo africano e asiático de exploração de riquezas locais, um molde semi-colonial que permitia que o governo auferisse proventos sem a necessidade de investimentos financeiros ou humanos. Com este objetivo formou-se o Bolivian Syndicate, criado em julho de 1901, com acionistas de peso como o monarca belga e políticos influentes norte-americanos. O contrato previa o repasse de 60% dos lucros para o governo boliviano, permanecendo 40% nas mãos dos arrendatários estrangeiros, que ganhavam o direito de explorar os seringais da região.

Este movimento provocou reações indignadas entre políticos, empresários e jornalistas brasileiros, que reagiram contra aquilo que consideraram um perigoso risco de ingerência estrangeira na região, abrindo um nefasto precedente de exploração econômica de riquezas locais que ameaçava não apenas a região acreana, mas potencialmente toda a América do Sul. A opinião pública aderiu a campanha e passou a pressionar o governo no sentido de reivindicar o território e impedir o modelo de exploração dos seringais apresentado pelo Bolivian Syndicate.

Os primeiros anos do século XX testemunharam conflitos entre bolivianos e brasileiros no Acre, em especial soldados bolivianos e seringueiros brasileiros, liderados principalmente pelo líder contratado Plácido de Castro, apoiado pelo governo do Amazonas. Foram estes seringueiros brasileiros (muitos nordestinos), esmagadora maioria na região, que ajudaram a fundar a terceira República do Acre em 1903, desta feita com apoio do Presidente brasileiro.

A partir da posse de Rodrigues Alves, o novo Ministro das Relações Exteriores, Rio Branco (José Maria Paranhos) lidera as novas iniciativas do Estado brasileiro em relação a questão, que resultam no seguinte:

1) suspensão do contrato que estabelecia o Bolivian Syndicate, mediante

indenização de 110 mil libras esterlinas; 2) ocupação militar do Acre, declarado, a partir de

março de 1903, território em litígio; 4) assinatura de um protocolo que assegurava o status

quo durante as negociações entre os dois governos, fazendo cessar as investidas militares

bolivianas e, finalmente 5) o estabelecimento de negociações diretas com o governo

boliviano.

O militar Olímpio da Silveira é enviado ao Acre para governar em nome do Brasil.

Rio Branco já havia negociado, com ganho de causa para o Brasil, limites com a Argentina e com a Guiana Francesa, através de arbitragem internacional: no primeiro caso os EUA e no segundo, o governo suíço. Havia uma certa expectativa de que a questão com a Bolívia fosse encaminhada da mesma forma, mas Rio Branco defendia a negociação direta, posto que governos brasileiros anteriores haviam reconhecido a região em litígio como pertencente à Bolívia, ao contrário das áreas retomadas à Argentina e França, que sempre haviam sido consideradas brasileiras por parte do Estado brasileiro. Em vista da situação delicada e das negociações árduas, a obtenção do Acre envolveu uma série de compensações. Segundo Rio Branco, “em troca de 142.900 quilômetros quadrados de terra que lhe disputávamos e de 48.100 de terra que era reconhecidamente sua, isto é, em troca de 191.000 quilômetros quadrados, damos à Bolívia entre os rios Madeira e Abunã (ainda segundo os cálculos acima referidos) uma área de 2.296 quilômetros quadrados, que não é habitada por brasileiros e que o é por bolivianos”.

O texto final do Tratado de Petrópolis incluía o pagamento de dois milhões de libras esterlinas à Bolívia e o compromisso, por parte do Brasil, de construir a estrada de ferro Madeira-Mamoré, que possibilitaria o escoamento de produtos bolivianos até o Mato Grosso e o consequente acesso à bacia do Prata via rio Paraguai.

O tratado não passou sem críticas, que apontavam o exagero do valor da indenização que deveria ser paga e do investimento na Madeira-Mamoré, além de defender que o acordo fora precipitado, e que o país ganharia mais aguardando a arbitragem internacional ou mesmo os combates de brasileiros locais, que eventualmente acabariam por expulsar os estrangeiros.

Pivô maior da disputa territorial entre Brasil e Bolívia, os seringais tiveram seu auge no final do século XIX e início do XX em toda a região amazônica, embora surtos de dinamismo ocorressem ao longo das primeiras décadas do século XX, em resposta às demandas do mercado internacional por borracha. Atualmente, centenas de famílias ainda vivem da exploração dos seringais no Acre, realizada em parte em reservas de exploração controlada e subsidiada pelo governo, uma forma de proteger uma produção de baixo impacto ecológico da concorrência (desleal) da borracha asiática, fruto da exploração predatória. A primeira destas reservas foi criada em 1990 com o nome Reserva Chico Mendes, em homenagem ao militante seringueiro assassinado na região em 1988 no contexto das lutas de trabalhadores rurais em defesa do seu direito de viver da floresta, em oposição à violência dos grandes fazendeiros e grileiros que estabeleciam relações de trabalho similares à escravidão, além de iniciarem o processo de derrubada das florestas para plantar pasto para a atividade pecuarista.

A despeito das iniciativas de sucesso e do apoio governamental desde o inicio dos anos 1990, durante o governo Bolsonaro (2019-2023) o Estado do Acre (e todo o país) testemunhou o avanço indiscriminado das queimadas e da atividade pecuarista, desrespeitando a legislação vigente e as demarcações legais de reservas extrativistas e indígenas.

As fotos que acompanham este texto pertencem ao fundo Afonso Pena: BR_RJANRIO_ON_0_FOT_0012: imagens de seringais do Amapá e da capital Rio Branco, além de rios da região, em 1908.

Leitura recomendada:

Andrade, J. H., & Limoeiro, D. (2003). Rui Barbosa e a política externa brasileira: considerações sobre a Questão Acreana e o Tratado de Petrópolis (1903). Revista brasileira de política internacional46, 94-117.

da Silva Lemos, W. G. (2018). A QUESTÃO DO PERTENCIMENTO DOS BRASILEIROS NO ACRE AO TEMPO DO TRATADO DE PETRÓPOLIS. Revista FAROCIENCIA (ISSN 2359-1846)6.

 

 

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