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Das primeiras exibições públicas e comerciais na França de 1895 à inauguração de salas de exibição na periferia de um país “exótico” para os europeus de então transcorreram menos de 20 anos. As possibilidades artísticas e informativas da patente dos irmãos Lumière logo abriram caminho para a produção de jornais em movimento e histórias fantasiosas – os documentários e os filmes de ficção, e salas de exibição rapidamente se espalharam por diversos países do globo. As imagens filmadas não tinham som,  e somente nos anos 1920 o cinema sonoro se tornou comercialmente viável e ganhou as telas.

Os primeiros longa-metragens brasileiros foram rodados na segunda década do século XX. No entanto, a transformação da chamada sétima arte em uma indústria incrivelmente lucrativa nos Estados Unidos dos anos 1920/ 30 acabou inibindo o seu crescimento em outros países, e no Brasil não foi diferente.

As primeiras salas de exibição eram espaços adaptados a partir de teatros e mesmo salões de jogos. No Rio de Janeiro, elas se concentraram no centro da cidade durante décadas. No entanto, os chamados bairros do subúrbio da cidade (vinculados às estações de trem da central do Brasil) durante muito tempo ofereciam aos seus moradores inúmeras opções de entretenimento cinematográfico. O presente panfleto pertence ao antigo Cine Madureira. De acordo com algumas fontes, ele foi inaugurado com outro nome. Você já ouviu falar deste estabelecimento? Consegue imaginar em que década este anúncio foi impresso, e quais filmes faziam sucesso na época?

Em 1910 várias capitais brasileiras (Recife, São Paulo, Porto Alegre, São Luís) além da própria Capital Federal – Rio de Janeiro – contavam com salas de exibição de filmes (as fitas de cinema). Mas a aventura do cinema começou no nosso país com a inauguração da primeira sala de exibição fixa em 1897 por Roberto Cunha Salles e Pascoal Segretto. Este último aliás, realizou o que considera-se a primeira tomada cinematográfica em solo nacional, uma filmagem da chegada dos navios na baía de Guanabara. Esta primeira sala de cinema localizava-se na rua do Ouvidor, e na época os jornais se referiam aos filmes como “fotografias animadas.”

Uma das dificuldades enfrentadas pelos exibidores pioneiros diz respeito a precariedade no fornecimento de energia elétrica, fundamental para a atividade. Outra, a falta de imóveis adequados para o empreendimento: há relatos de espectadores deixando o recinto por causa do excesso de calor e falta de ventilação do ambiente. Nos primeiros anos, as salas eram usadas para mais de uma atividade de entretenimento (teatro, por exemplo). Segundo Gama Rosa Costa, “a trajetória do Cine Palácio, inaugurado em 1902 no Passeio, ilustra bem este difícil começo: ele foi boliche, cassino, teatro, café-concerto, cinema, de novo teatro e outra vez cinema, em funcionamento até hoje.”

O crescimento urbano e, consequentemente, da demanda por energia acabou solucionando o primeiro problema, com a construção de usinas (por exemplo, a de Ribeirão das Lages, no interior do estado do Rio de Janeiro). Também com o tempo e a entrada de empreendedores no setor o segundo problema acabou sanado, com a inauguração de salas cada vez mais adequadas para a exibição de filmes.

Na primeira década do século XX, na Capital Federal e em outras capitais, salas de cinema dedicadas a atividade começaram a se disseminar. A abertura da Avenida Central, no Rio de Janeiro, iluminada, eletrificada, ampla e moderna, contribuiu para a abertura de novas salas na região: Cine Ideal, Íris, Avenida, Parisiense, Pathé, Pavilhão, Internacional, Odeon. Nas décadas seguintes sua opulência e tamanho aumentariam até atingir seu auge na década de 1950.

O papel dos empreendedores pioneiros foi fundamental para o estabelecimento dos cinemas Brasil afora. No Rio de Janeiro, Marc Ferrez e Francisco Serrador desempenharam papel crucial, sendo que este último catalisou o desenvolvimento da chamada Cinelândia (praça no centro da cidade até hoje conhecida pela antiga alcunha) nos anos 1920.  

O cinema, inicialmente um entretenimento “chic” das damas da rua do Ouvidor e depois, avenida Central, popularizou-se. A entrada maciça dos filmes norte-americanos contribuiu para tal, com suas comédias de fácil aceitação e produção bem cuidada. As grandes salas que começaram a surgir a partir da década de 1920 atraíam multidões para suas sessões.

Embora as salas tendessem a se concentrar nos centros das cidades, os bairros mais distantes, e os chamados “subúrbios da central” no Rio de Janeiro (bairros que se desenvolviam ao longo da estrada de ferro urbana) também contavam com salas de cinema. Méier e Madureira, na zona norte, especificamente concentraram o maior número de salas de cinema no subúrbio.

O primeiro deles em Madureira chamava-se Cine Beija Flor, de 1904, mas também chamado em outros momentos de Cine Madureira, que posteriormente seria o nome de outros estabelecimentos no bairro. Embora os cinemas fora das áreas nobres da cidade fossem mais modestos, tanto em tamanho quanto em conforto, sua popularidade tornou-se enorme, e só viria a diminuir (ou despencar, para ser mais precisa) no final do século passado, em função do advento dos videocassetes e, posteriormente, dos complexos de cinemas nos grandes shoppings, um movimento aliás que ocorreu em todo o país.

Segundo Raquel Gomes de Souza, “a dinâmica espacial dos cinemas no subúrbio é parte integrante das transformações urbanas da cidade do Rio de Janeiro, na qual pode-se destacar três grandes momentos. No primeiro momento, entre 1905 e 1934 ocorreu o processo de centralização, não só dos cinemas, mas de uma gama de atividades de comércio e serviços na área central da cidade. Cabe lembrar que essa centralização era relativa já que verificaríamos essas mesmas atividades em outras áreas da cidade. No segundo momento, mais longo, entre 1935 e 1984, identifica-se o processo de descentralização dos cinemas e das atividades terciárias por bairros suburbanos e não suburbanos, tais como Madureira, Méier, Tijuca e Copacabana. E por fim, o terceiro momento, entre 1985 e 1994, quando verifica-se a instalação inicial dos shopping centers pelo Rio de Janeiro e a migração, lenta e progressiva, dos cinemas para esses grandes centros de compra.”

O programa aqui apresentado data de 1925, e sua maior atração é um filme norte-americano lançado no mesmo ano e estrelado por um dos grandes nomes da época, Gloria Swanson: Madame Sans-Gêne, uma história romântica baseada em uma peça de Victorien Sardou e Émile Moreau. Atualmente é considerado um filme perdido.

Documento: BR_RJANRIO_6E_CPR_AVU_0001. Delegacia Auxiliar de Polícia.

 

Recomendação de leitura

ABREU, Jonas da Silva. O papel do cinema na construção da identidade da Cinelândia. 2009. Tese de Doutorado.

CARVALHO, Danielle Crepaldi. O cinema silencioso e o som no Brasil (1894-1920). Galáxia (São Paulo), n. 34, p. 85-97, 2017.

COSTA, Renato da Gama-Rosa. Os cinematógrafos do Rio de Janeiro (1896-1925). Hist. cienc. saude-Manguinhos,  Rio de Janeiro ,  v. 5, n. 1, p. 153-168,  jun.  1998 .   Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-59701998000100010&lng=pt&nrm=iso>. acessos em  19  out.  2020.  https://doi.org/10.1590/S0104-59701998000100010.

DE SOUSA, Raquel Gomes. As salas de cinema no subúrbio carioca do século XX. Espaço Aberto, v. 5, n. 2, p. 127-142, 2015.

 

 

 

 

 

 

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