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Depois de mais de uma década do fim da ditadura militar e cinco anos de batalha no Congresso Nacional, o governo de Fernando Henrique instituiu, em dezembro de 1995  a Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP). A Lei 9140, que a instituiu, “reconhece como mortas pessoas desaparecidas em razão de participação, ou acusação de participação, em atividades políticas, no período de 2 de setembro de 1961 a 15 de agosto de 1979.” Em seu primeiro artigo, ela afirma que “são reconhecidos como mortas, para todos os efeitos legais, as pessoas que tenham participado, ou tenham sido acusadas de participação, em atividades políticas, no período de 2 de setembro de 1961 a 5 de outubro de 1988, e que, por este motivo, tenham sido detidas por agentes públicos, achando-se, deste então, desaparecidas, sem que delas haja notícias”. Entre suas atribuições, reconhecer aqueles que haviam morrido (por assassinato, ferimentos, doenças ou suicídio) em decorrência de atos ilegais realizados pelo Estado em decorrência das opções políticas dos falecidos, para fins de emissão de atestado de óbito, anistia ou indenização, além de investigar as condições da morte e localização de restos mortais. No momento imediato à promulgação da lei, o Estado reconheceu 136 desaparecidos políticos, e todos os casos restantes foram encaminhados à Comissão (CEMDP) 

A Lei foi um marco: pela primeira vez, o Estado brasileiro reconhecia seus crimes em um período sombrio durante o qual o regime de exceção instaurado em 1964 combatia a oposição sequestrando, torturando, exilando, cassando e caçando militantes e seus familiares. Tais crimes incluem violações dos direitos humanos, estabelecidos por leis nacionais e tratados ou declarações internacionais dos quais o Brasil é signatário (Declaração Universal de Direitos Humanos de 1948, Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes em 1984, Convenção Americana sobre Direitos Humanos de 1969, por exemplo).

O trabalho da Comissão vem atravessando vários mandatos presidenciais, tendo mantido coerência e consistência até 2019. Nos primeiros anos do século XXI ampliou o escopo do reconhecimento de vítimas da ditadura, desconstruindo caso a caso inúmeras farsas montadas pelos órgãos de repressão através de novas perícias e necrópsias, depoimentos e análises de documentação produzida pelo próprio Estado. As forças policiais (civis e militares) rotineiramente assassinavam pessoas desarmadas ou já rendidas e montavam o teatro da “resistência,” que resultava em relatórios falsos que justificavam a morte do indivíduo perseguido. Havia também outro tipo de teatro, o “suicídio,” igualmente montado para eximir o Estado da morte suspeita de pessoas na cadeia (como Vladimir Herzorg) ou daqueles que denunciavam torturas (por exemplo, caso de Esmeraldina Cunha, mãe de Nilda Cunha de 17 anos, morta em consequência das torturas sofridas na prisão e que sua mãe incansavelmente denunciava).

Em 2007 foi lançado o livro-relatório “Direito à Memória e à Verdade – Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos”,  que apresenta a história de mais de 400 pessoas mortas pelas mãos do Estado, e posteriormente outras publicações foram realizadas, e que  podem ser baixadas aqui.

O trabalho desta primeira comissão foi pioneiro em relação a Comissão Nacional da Verdade, que seria instalada pela então presidenta Dilma Rousseff em 2012.

A atual página da Comissão esclarece não haver reuniões agendadas, e a última notícia publicada data de janeiro de 2020. Ela também anulou anistias e pensões concedidas anteriormente, em especial em casos de militares cassados.

Embora a Comissão permaneça em atividade, o acervo da CEMDP então existente foi recolhido ao Arquivo Nacional em 2009. Segundo o SIAN, contém “documentos encaminhados à Comissão por familiares de cidadãos desaparecidos e que participaram ou foram acusados de participar de atividades políticas entre os anos de 1961 e 1979, a fim se subsidiar a análise, investigação e julgamento, se o encaminhamento fosse julgado procedente, de modo a que se promovesse alguma reparação às famílias ou a localização de seus corpos, quando existissem indícios do local de sepultamento.” A documentação é extensa e variada, contando com casos deferidos e indeferidos; documentos pessoais, relatórios, documentação oficial. O material aqui exibido diz respeito a Operação Pajussara, que contou com diversas forças de segurança articuladas para prender quem eles consideravam o terrorista mais perigoso do Brasil: Carlos Lamarca. O relatório do próprio exército (que estabeleceu as fraudes acerca dos vários mortos na operação, como o “suicídio” de Iara Iavelberg) apresenta os objetivos da operação, a descrição dos locais em que ela se daria, fotografias dos locais de emboscada, bem como dos indivíduos mortos e as necropsias no Instituto Médico Legal.

BR_DFANBSB_AT0_0_0_0164. Relatório da Operação Pajussara, 1971

BR_DFANBSB_AT0_0_0_0163. Relatório da Operação Pajussara, 1971

 

 

Rotta, Vera. Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos, Perfil Institucional. Acervo, Rio de Janeiro, v. 21, nº 2, p. 193-200, jul/dez 2008. Arquivo Nacional.

Santos, Sheila Cristina. A Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos e a reparação do Estado às vítimas da ditadura militar no Brasil. 2008. 247 f. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais) - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2008.

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