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A síndrome da imunodeficiência adquirida (AIDS) foi inicialmente identificada no início da década de 1980, no Estados Unidos. Reconhecida através de uma sintomatologia típica (manifestação de um conjunto específico de doenças pouco comuns, como sarcoma de Kaposi, pneumonia por Pneumocystis carinii e comprometimento geral do sistema imunológico), a síndrome surgiu entre grupos de pessoas também bastante específicos: homossexuais do sexo masculino e usuários de drogas injetáveis. Logo as pesquisas indicaram o causador da doença: o HIV, o vírus do grupo retrovírus da imunodeficiência humana (human immunodeficiency vírus). Transmitido através de sangue e outros fluidos corporais, ele se propaga através de transfusão de sangue não-testado, amamentação e gravidez de mãe portadora do vírus, relação sexual sem proteção (camisinha, preservativo), compartilhamento de seringas (e instrumentos similares) sem esterilização adequada.

Ao longo dos anos 1980, a emergência desta doença viral colocou em xeque não apenas a comunidade científica _ posto que se tratava de um novo vírus, uma doença desconhecida e extremamente complexa _ mas a sociedade em geral, escancarando os preconceitos em relação aos homossexuais. Ao longo da década e na década subsequente, a doença se espalharia por vários países e por vários grupos, perpassando diferentes faixas etárias, opções sexuais, gêneros, etnias, adquirindo o contorno de uma pandemia.

Uma vez que grupos já socialmente estigmatizados por suas escolhas e comportamentos considerados “imorais” pela parcela mais conservadora da sociedade mostraram-se alvos preferenciais do vírus no momento inicial da epidemia, todos aqueles vitimados pela síndrome mortal passaram a sofrer dos mesmos estigmas e preconceitos. Nos primeiros anos o tratamento limitava-se a aliviar sintomas e minimizar o desconforto de pacientes que sofriam de uma doença 100% mortal, que na maioria dos casos matava poucos meses após sua primeira manifestação. Apenas em 1987 o primeiro medicamento com  alguma eficácia contra o vírus da AIDS foi aprovado, o AZT.

De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS)/ UNAIDS e a Médicos sem Fronteiras, apenas em 2017, 940 mil pessoas morreram de causas relacionadas ao HIV e 1,8 milhão foram infectadas pelo vírus. Atualmente, 36,9 milhões de pessoas vivem com a doença no mundo. A África é, atualmente, a região mais afetada pela doença. No Brasil, os primeiros casos confirmados da doença datam de 1982. Segundo o Ministério da Saúde, atualmente são 920 mil pessoas positivas para HIV no Brasil, e 77% fazem tratamento com antiretrovirais distribuídos pelo SUS (Sistema único de saúde). Também vem caindo o número de mortes causadas pela doença, em função de programas específicos estabelecidos pelo governo federal a partir dos anos 1990, quando o AZT começou a ser distribuído gratuitamente pelo SUS. 

Os desafios colocados pela emergência da AIDS, tanto do ponto de vista médico como social, vêm sendo enfrentados  de formas variadas ao longo do tempo e dependendo do espaço. A doença, de início, se abateu intensamente sobre um grupo específico _ os homossexuais _ historicamente habituado a sofrer com o preconceito e a discriminação, e portanto relativamente preparado para enfrentar um novo fator potencialmente intensificador dos velhos estigmas. Se este grupo já buscava uma organização própria, integrando movimentos sociais desde os anos 1960, a epidemia de AIDS transformou-os em atores sociais no campo da saúde, fato talvez inédito dado que, por sua alta especialização e forte componente científico o processo de elaboração e gestão de políticas na área da saúde permanecia circunscrita a profissionais e políticos.

Por outro lado, nos primeiros anos houve uma resistência dos elaboradores de políticas públicas tanto em relação a participação da sociedade civil na criação de diretrizes de enfrentamento como em relação a admissão da relevância de uma doença que aparentemente atingia um grupo limitado de indivíduos. A pressão da sociedade organizada e a morte de muitas pessoas conhecidas (em especial do meio artístico) contribuiu para que a síndrome começasse a ser enfrentada com mais afinco pela comunidade científica. Além disso, o tempo e a disseminação da doença, que permanece sem cura e sem vacina, mostraram que o HIV, como aliás todos os vírus, atinge indiscriminadamente pessoas de qualquer gênero, idade e opção sexual.

De fato, a partir dos anos 1990 e principalmente, 2000, houve uma alteração dramática no perfil dos infectados em todo o planeta. A doença passou a se espalhar entre mulheres, crianças (filhas das infectadas) e entre as parcelas mais pobres da população. No Brasil essa “feminilização” e “pauperização” da epidemia são fenômenos claros já apontados pelas estatísticas. Em todo o mundo, apenas uma forma de frear a disseminação da doença mostrou-se eficiente: campanhas públicas de esclarecimento quanto a necessidade de uso de preservativos em qualquer relação sexual. São fundamentais também as campanhas incentivando a testagem para o vírus e o controle dos bancos de sangue.

Na virada do século o surgimento de uma nova geração de remédios aumentou a expectativa e a qualidade de vida dos pacientes, em um processo continuado de aperfeiçoamento do tratamento, que atualmente se recomenda antes mesmo da manifestação dos primeiros sintomas.

No Brasil, a Portaria 1110 de 1996 do Ministério da Saúde tornou a AIDS uma doença de notificação compulsória por parte dos médicos ou por qualquer outro profissional da saúde e por responsáveis por estabelecimentos públicos e particulares de saúde. Foi na década de 1990 aliás, que políticas públicas consistentes de combate a doença começaram a ser consolidadas, em especial com a distribuição gratuita pelo SUS de toda a medicação necessária aos pacientes. Ao longo dos anos, a criação de programas , comissões e departamentos especiais na estrutura do Governo Federal transformou o Brasil em referência mundial de combate a Aids: “O atual Programa Nacional de DST/aids (PN DST/aids), sob responsabilidade do Ministério da Saúde (MS), é produto de uma série de programas direcionados à prevenção e atenção a portadores de HIV/aids e outras DST surgidos ao longo destes 20 anos de descoberta da aids. Ele é internacionalmente reconhecido como uma das melhores experiências de política pública em saúde, especialmente nos países em desenvolvimento, e tido como exemplo pela sua ampla atuação, no campo da promoção, prevenção e tratamento. O Programa Nacional DST/aids visa reduzir a incidência de HIV/aids e outras DST e melhorar a qualidade de vida das pessoas portadoras destas doenças. Para tanto, foram definidas várias diretrizes que englobam: o aumento da cobertura das ações preventivas, diagnósticas e de tratamento; a melhoria da qualidade dos serviços públicos oferecidos aos portadores, a redução da transmissão vertical de sífilis e HIV, bem como a redução da discriminação aos portadores. Tendo como orientação estas diretrizes, foram estabelecidas as políticas de tratamento, de diagnóstico, de prevenção, de incentivo e de saúde pública, que regem o PN DST/aids.”

O trecho acima, retirado do site da Fundação Oswaldo Cruz – Fiocruz – foi escrito antes do início do desmonte do programa, iniciado em 2019 segundo as organizações da sociedade civil há décadas engajadas na luta contra a doença. Segundo elas, o fato de o Departamento de IST (Infecções Sexualmente Transmissíveis), Aids e Hepatites Virais passar a se chamar Departamento de Doenças de Condições Crônicas e Infecções Sexualmente Transmissíveis é uma tentativa de invisibilizar a doença, ainda carregada dos velhos estigmas. As organizações alegam ainda que as alterações que foram e vêm sendo realizadas no âmbito do combate a doença não foram discutidas com a sociedade civil e nem com as associações que representam os pacientes.

O Ministério da Saúde alegou que não haveria, com a alteração da nomenclatura, qualquer alteração orçamentária para o combate a Aids, e que as mudanças foram implementadas em consequência da a necessidade de se implementar ações mais efetivas, eficientes e contemporâneas contra a Aids, integrando as ações com aquelas dirigidas a doenças como tuberculose e hanseníase. Em nota de maio de 2019, o Ministério da Saúde afirmou que “HIV/Aids, a tuberculose e a hanseníase possuem características de doenças crônicas transmissíveis, com tratamento de longa duração, o que permite uma integração das ações. As pessoas vivendo com HIV, por exemplo, têm maior risco de desenvolver a tuberculose, além de ser um fator de maior impacto na mortalidade nesses casos. Também é comum que o diagnóstico da infecção pelo HIV seja feito durante a investigação/confirmação da tuberculose."

Em 2020, o projeto Mosaico, do qual participam diversas instituições de pesquisa do mundo, anunciou que uma vacina entrará na terceira fase de testes, que avaliará sua possível eficácia contra o HIV. O estudo, financiado pela farmacêutica Jansenn, durará três anos e conta com a participação de 5 capitais brasileiras (Belo Horizonte, São Paulo, Rio de Janeiro, Curitiba e Manaus).

Relatórios do Sistema Nacional de Informações e da Divisão de Segurança Interna do Ministério da Saúde, entre outros fundos do Arquivo Nacional, ajudam a esclarecer os primeiros anos da epidemia de Aids no Brasil.

Leitura:

Monteiro, Ana Lucia, & Villela, Wilza Vieira. (2009). A criação do Programa Nacional de DST e Aids como marco para a inclusão da idéia de direitos cidadãos na agenda governamental brasileira. Revista Psicologia Política, 9(17), 25-45. Recuperado em 23 de feveiro de 2021, de http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1519-549X2009000100003&lng=pt&tlng=pt.

 Pinto, A. C. S., Pinheiro, P. N., Vieira, N. F., & Alves, M. D. S. (2007). Compreensão da pandemia da AIDS nos últimos 25 anos. DST J Bras Doenças Sex Transm, 19(1), 45-50.

Documentos:

Letra de música submetida a avaliação da censura, 1987. BR DFANBSB NS.CPR.MUI.LMU.30569 Divisão de Censura de Diversões Públicas.

Dossiê contendo boletins oficias, clippings, ofícios, relatórios e estatísticas relativos a disseminação do HIV (AIDS) no Brasil em 1989. BR DFANBSB IS.INF.ECE.17. Divisão de Segurança e Informações do Ministério da Saúde.

Programa Tá na Onda 3 (link sonoro) – AIDS. BR RJANRIO HA.0.DSO, PTO.3. Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas - IBASE       

Aids: quadro atual e combate, 1987. BR DFANBSB V8.MIC, GNC.CCC.87014325. Serviço Nacional de Informações.

 

 

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