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Rodolpho Gauthier Cardoso dos Santos

Doutor em História

Professor do IFMG (Instituto Federal de Minas Gerais)

 

É muito difícil ter ideia da quantidade de brasileiros que já viram algo no céu e não conseguiram identificar. No entanto, esse número não deve ser pequeno. Depois de uma observação celeste estranha muita gente fica intrigada, principalmente considerando as muitas teorias e hipóteses que circulam por aí.

Esse tema tão apaixonante e controverso explica porque o fundo “Objetos Voadores Não Identificados” é um dos mais pesquisados no Arquivo Nacional. A procura é tanta que há até um vídeo explicando como consultá-lo. Neste breve texto, comentamos um pouco desse acervo e suas potencialidades como fonte histórica para interessados e pesquisadores acadêmicos.

 

A origem do termo OVNI

Há muito tempo os terráqueos veem coisas no céu que não conseguem explicar de imediato. Ao longo do tempo, as interpretações sobre isso, em geral, seguiram as ideias do momento histórico no qual as pessoas viveram. Assim, na Idade Média, por exemplo, cometas eram frequentemente entendidos como sinais religiosos. Considerando isso, não é de se estranhar que nas últimas décadas, tão marcadas pelo desenvolvimento da astronáutica e da astronomia, muita gente tenha associado esses estranhos avistamentos a algo de fora do planeta Terra.

Logo após a Segunda Guerra Mundial foi criado um termo em inglês (flying saucer) para designar aquilo que não era imediatamente reconhecido nos céus. Em 24 de junho de 1947, o empresário estadunidense Kenneth Arnold (1915-1984) disse ter visto estranhos objetos voadores enquanto pilotava seu avião, no estado de Washington. Nas suas palavras, os objetos eram parecidos com bumerangues. Faziam movimentos ondulares, parecidos com o que acontece quando se joga um disco sobre a superfície da água. No dia seguinte, o piloto relatou sua observação a um pequeno jornal local, mas não foi bem compreendido. Ao redigir a notícia, o jornalista se confundiu e escreveu que os objetos tinham forma de disco. A partir daí, surgiu a expressão flying saucer.

Em um período de grande desenvolvimento aeronáutico e de tensas relações diplomáticas entre Estados Unidos e União Soviética, essa notícia teve enorme repercussão. Em pouco tempo, milhares de pessoas em várias partes do mundo começaram a relatar observações similares. A imprensa brasileira da época traduziu a expressão “flying saucer” como “disco voador”. Esse termo tornou-se popular e passou a englobar uma série de observações de objetos e fenômenos aéreos que não necessariamente tinham formato de disco.

Ao longo dos anos, a atuação da indústria cultural (livros, filmes, HQs etc) associou o termo “disco voador” à “possibilidade interplanetária”, para usar uma expressão da época (SANTOS, 2015). Para se ter uma ideia, na década de 1950 foram produzidas ao menos 87 películas baseadas na exploração do espaço e em visitantes de outros mundos (CABRIA, 2003, p. 240).

No entanto, aqueles que tinham que lidar cotidianamente com a questão notaram que o termo “disco voador” mais confundia do que explicava. Nas palavras do capitão Edward J. Ruppelt (1959), ele teria criado um novo termo no início da década de 1950, enquanto atuava como diretor de um gru­po de estudos da Força Aérea estadunidense chamado Projeto Livro Azul (1952-1970). Assim, teria sido cunhada a expressão UFO, acrônimo de Unidentified Flying Object ou objeto voador não identifica­do (OVNI), em português. A nova nomenclatura demorou um pouco a se difundir no Brasil, mas acabou pegando.

Como o próprio nome diz, um óvni é algo não identificado. Ou seja, não se trata necessariamente de algo sobrenatural ou alienígena. Ao investigar a fundo os relatos, pode-se encontrar muitas coisas. Pode se tratar, por exemplo, de um fenômeno atmosférico ou meteorológico incomum, como fogo-de-santelmo ou relâmpagos globulares. Ou mesmo de um erro de interpretação visual. Nesse sentido, é importante considerar quão falho pode ser o olho humano, principalmente diante de estímulos rápidos e inesperados. Além disso, ninguém consegue calcular com alguma precisão o tamanho e a velocidade de um objeto voador sem usar instrumentos de medição e pontos de referência conhecidos.

No entanto, após intensa análise técnica sobram alguns casos que, até o momento, continuam inexplicados. São, geralmente, episódios complexos que envolvem múltiplas testemunhas oculares e formas de registros independentes, como câmeras e radares. Embora esses casos sejam bastante minoritários, geralmente são os que mais chamam atenção do grande público porque são aqueles sobre as quais as autoridades científicas e militares afirmam: “não sabemos do que se trata”.

O Fundo OVNI

 Conforme documentação disponível no Arquivo Nacional, os militares brasileiros, especialmente da Força Aérea Brasileira (FAB), estiveram bastante interessados e preocupados com esse tema desde muito cedo. O assunto, afinal, sempre esteve vinculado a questões de segurança do espaço aéreo nacional.

No entanto, a imensa maioria da documentação produzida pelos militares esteve bem longe dos olhos do público até muito recentemente. Até então, pouca certeza havia sobre o que era debatido dentro dos quartéis. Durante muitos anos, a comunidade de aficionados pelo tema (os chamados de ufólogos) se mobilizou e, por meio de petições, encontros e abaixo-assinados, solicitou a liberação de documentos confidenciais das Forças Armadas. Entre eles, vale destacar a atuação da Comissão Brasileira de Ufólogos (CBU), que liderou, a partir de 2004, a campanha “UFOs: Liberdade de Informação Já”.

Apenas em 2008 os documentos confidenciais começaram a ser paulatinamente liberados pela Aeronáutica e entregues ao Arquivo Nacional. Embora esse material esteja visivelmente incompleto e aparentemente disperso, ele é riquíssimo e já permite compreender bastante da atuação e das interrogações que passaram pela cabeça dos oficiais que dispenderam tempo e recursos públicos analisando casos de óvnis sobre os céus do país.

O chamado fundo OVNI do Arquivo Nacional conta com algumas milhares de páginas. Atualmente, são 758 documentos digitalizados, entre relatórios, depoimentos, fotos, formulários preenchidos, notícias da imprensa, vídeos e áudios.  O documento mais antigo é de 1952 e o mais recente, de 2016. Em especial, há uma quantidade considerável de formulários oficiais sucintos preenchidos nos aeroportos relatando o chamado “Tráfego Hotel”, jargão utilizado no mundo aeronáutico para óvnis. Antes de tratarmos dos casos mais conhecidos, vale destacar que poucos são os registros de relatos de sequestros alienígenas, como o feito pelo advogado João Freitas Guimarães na década de 1950. 

No fundo da TV Tupi, porém, há muito a ser explorado. Já está no ar, por exemplo, a entrevista que Hermínio e Bianca Reis, casal que teria mantido contato com seres extraterrestres em Minas Gerais em 1976, deram ao programa do apresentador Flávio Cavalcanti. A respeito do caso Varginha (1996), o material também é escasso até o momento. A maior parte dos poucos documentos disponíveis é composta por recortes de revistas e jornais da época.

Nos parágrafos a seguir, comentamos e indicamos a documentação de alguns casos de óvnis bastante conhecidos encontrados nesse acervo. Como se trata, porém, de um material bastante vasto, existe muito mais coisas inéditas a ser exploradas e analisadas nos próximos anos.

Os relatórios mais antigos são do caso Barra da Tijuca. Em 7 de maio de 1952, um repórter e um fotógrafo da revista O Cruzeiro, a mais lida do país à época, teriam conseguido tirar cinco fotografias de um disco voador que supostamente aparecera numa praia deserta da então pouco povoada Barra da Tijuca, Rio de Janeiro. O Cruzeiro fazia parte dos Diários Associados, então uma gigantesca cadeia de jornais, emissoras de rádio e estações de televisão. O caso teve enorme repercussão e os direitos de imagem das fotografias foram vendidos a diversas revistas e jornais da Europa e América Latina.

De acordo com o relato do ufólogo Fernando Cleto Nunes Pereira, dois anos depois das fotos, o então coronel João Adil de Oliveira admitira a um grupo que a Aeronáutica tentara reproduzir as fotos da Barra da Tijuca jogando para o alto um modelo de madeira. Sem êxito nos testes, os oficiais concluíram que as imagens eram verdadeiras. Aparentemente, não passou pela cabeça deles que as fotos pudes­sem ter sido obtidas pelo recurso da dupla exposição do filme fotográfico. Cinco anos depois, em 1959, a conclusão da Aeronáutica veio à tona na revista O Cruzeiro, que publicou fotos do relatório técnico e se aproveitou dele para tentar dar credibilidade ao caso (MARTINS, 1959).

No entanto, décadas depois, análises técnicas que apontaram inconsistências nas sombras das imagens (REIS, s/d) e depoimentos de jornalistas que integravam a redação à época (CARVALHO, 2001) atestaram que a Aeronáutica, assim como os leitores da revista, foram enganados. O caso Barra da Tijuca não passava de uma fraude. Documentos do estudo técnico equivocado feito pela FAB e até um vídeo a respeito  estão disponíveis no Arquivo Nacional.

No final de 1954, ocorreu outro caso bastante intrigante e de grande repercussão envolvendo militares brasileiros. No dia 24 de outubro, vários oficiais da Base Aérea de Porto Alegre, sede da Força Aérea Brasileira (FAB) em Gravataí, tes­temunharam sobrevoo da base por “corpos estranhos”. Os objetos seriam cir­culares, de cor prateada-fosca e com velocidade “muito acima do que qualquer outro de que a base tenha conhecimento”. Uma nota oficial (MARTINS, 1954) informou que não era possível confundir aqueles “corpos” voadores com objetos astronômicos e que tampouco existiam balões meteorológicos na área. Dias depois, o brigadeiro Gervásio Duncan, chefe do Es­tado Maior da Aeronáutica, divulgou no Rio de Janeiro cinco dos 16 relató­rios feitos pelas testemunhas da base aérea gaúcha. Duncan se limitou a ler os depoimentos e se desculpou por não ter novidades sensacionais. Segundo ele, não havia dados suficientes para chegar a uma conclusão segura sobre o que foi observado. Infelizmente, esse material tão importante não está disponível no Arquivo Nacional.

O SIOANI (1969-1972)

 De acordo com a documentação disponível, pode-se dizer que o primeiro órgão militar a se dedicar oficialmente à investigação do tema foi o SIOANI (Sistema de Investigação de Objetos Aéreos Não-Identificados). Suas atividades se desenrolaram entre 1969 e 1972, sob chefia do brigadeiro José Vaz da Silva. A proposta foi elaborada por um grupo da 4ª Zona Área da FAB (atual IV Comar), com sede em São Paulo.

Durante seu período de atividade, os investigadores foram à campo e registraram e investigaram dezenas de relatos de várias partes do Brasil, com direito à coleta de entrevistas, croquis e até exames psiquiátricos aplicados nas testemunhas. Seus dois boletins internosdisponíveis trazem  detalhes em abundância das ocorrências. Sem dúvida, trata-se de documentação bastante rica e que já vem sendo analisado em trabalhos acadêmicos dos últimos anos (SCHRAMM, 2016; NASCIMENTO, 2018).

Operação Prato (1977-1978)

 Outra famosa operação militar, cujos documentos podem ser encontrados no Arquivo Nacional, é a chamada Operação Prato. Ela ocorreu durante vários meses dos anos de 1977 e 1978 na região da ilha de Colares, nordeste do Pará. Ali, uma equipe de militares, liderada pelo capitão Uyrangê Hollanda, investigou pelo menos 130 de casos envolvendo luzes misteriosas. De acordo com relatos locais e com a imprensa, elas vinham amedrontando os moradores de vilarejos e locais remotos com ataques por raios luminosos e sangue das vítimas sendo sugado por luzes, o que levou o fenômeno a ser chamado de chupa-chupa.

Além de recolherem relatos dos moradores, os militares relataram diversos eventos em suas vigílias noturnas e conseguiram tirar fotografias das luzes. Parte delas está disponível, em preto e branco, no relatório digitalizado e disponibilizado pelo Arquivo Nacional. O assunto foi acompanhado de perto pela imprensa do Pará e Maranhão, como mostram os recortes de jornais da época preservados no relatório. Segundo relato de Uirangê Hollanda, os oficiais teriam feito também filmagens, mas estas até o momento não foram disponibilizadas pela FAB. Como em outros casos, é possível e provável que haja bem mais material oficial ainda não liberado à consulta pública.

OVNIS perseguidos por caças e detectados por radares (1986)

 Outro caso bastante conhecido ocorreu na noite de 19 de maio de 1986. Na ocasião, a torre de controle da cidade de São José dos Campos, São Paulo, avistou luzes de diversas cores sobrevoando a cidade, o que foi confirmado pelo radar e por passageiros de aeronaves que sobrevoavam a região. Horas depois, foi a vez do radar de Anápolis, estado de Goiás, apontar objetos não-identificados. Temendo pela segurança nacional, caças armados decolaram de bases aéreas no Rio de Janeiro e Goiás.

Alguns chegaram a identificar luzes que mudavam de cor e tentaram persegui-las, mas foi inútil. Segundo registros, os objetos faziam manobras bastante peculiares com aceleração e desaceleração de forma brusca que ultrapassavam em muito a velocidade dos caças brasileiros. Em determinado momento da madrugada, os radares chegaram a detectar treze pontos não identificados simultâneos. No entanto, como cinco caças não conseguiram se aproximar e identificá-los, a operação foi finalizada. Ao longo de mais de três horas, foram detectados 21 óvnis.

O relatório, assinado pelo brigadeiro do ar José Pessoa Cavalcanti Albuquerque, pode ser acessado no Arquivo Nacional. Vale destacar a conclusão que é lacônica, mas bastante incisiva quando se considera a usual aridez dos relatórios militares. Afirma que “os fenômenos são sólidos e refletem de certa forma inteligência, pela capacidade de acompanhar e manter distância dos observadores como também voar em formação, não forçosamente tripulados”.

No Arquivo Nacional, também estão disponíveis oito áudios de diálogos entre os pilotos e os operadores das torres de controle. Em um deles, o piloto demonstra estupefação com o que observava e afirma (6’10’’) “Pô, eu não posso estar vendo coisas (...) Ainda bem que tem uma testemunha voando aqui”. 

Ao contrário dos anteriores, esse episódio foi tratado de modo um pouco mais aberto pelo então governo José Sarney, o primeiro após o fim da ditadura militar. Quando veio à público, o caso causou grande repercussão e desde então vem sendo chamado de “noite oficial dos óvnis no Brasil”.

 Considerações finais

 Todo esse material produzido pelos terráqueos a respeito dos óvnis pode ser lido e analisado gratuitamente on-line por interessados e pesquisadores das mais diversas ciências. Ainda que a disponibilização da documentação seja recente, novas pesquisas acadêmicas já têm surgido, especialmente no campo da História política (SCHRAMM, 2016; NASCIMENTO, 2018).

Para que esse campo de investigações continue a prosperar é imprescindível que o fundo OVNI siga sendo abastecido pelas autoridades brasileiras nos próximos anos. O acesso a esse tipo de informação, que já é garantido em muitos países, é um direito e deve ser respeitado. Afinal, estamos falando essencialmente de instituições públicas mantidas com o dinheiro dos impostos de todos.

De modo geral, o material disponibilizado até agora mostra o interesse, a preocupação e também a grande dificuldade que os militares brasileiros, assim como de todos os outros países, têm de lidar com essa questão e chegar a conclusões cientificamente verificáveis. O jeito é continuar pesquisando, dentro e fora dos quartéis. Para além da possibilidade de existir algo extraordinário no final desse arco-íris, a pesquisa sobre os óvnis é mais uma ótima oportunidade para compreendermos melhor alguns aspectos essenciais da vida humana, como a política e a cultura.

 

BR DFANBSB ARX.0.0.674.          

Relato de ocorrência de tráfego hotel na região de Norte. Cópia de documento. Questionário respondido pelo piloto e co-piloto do GOL 1131 que ia de SAEZ para SAGR. Informações recebidas pelo 2º Sargento Marcos, do Quarto Centro Integrado de Defesa Aérea e Controle de Tráfego Aéreo. 13/11/2010

BR DFANBSB ARX.0.0.6

Caso do doutor João de Freitas Guimarães: relato de viagem em disco voador ocorrida em São Sebastião, estado de São Paulo.          

Transcrição de matéria publicada em 1975, no Boletim Especial da Sociedade Brasileira de Estudos sobre Discos Voadores.

BR_RJANRIO_ NO_0_PGV_0332_0003

No programa "Flávio em tempo livre", da Tv Tupi, Flávio Cavalcanti entrevista Bianca e Hermínio, casal que teria mantido contato com seres extraterrestres e discos voadores no estado de Minas Gerais, na década de 1970.

BR DFANBSB ARX.0.0.1. Caso Barra da Tijuca: imagens fotográficas. 1952

BR DFANBSB ARX.0.0.2 Caso Barra da Tijuca: reconstituição das trajetórias pelas fotografias. 1952.

 BR DFANBSB ARX.0.0.0708. Fita VHS 2/2: vídeo contendo esclarecimentos de Fernando Cleto sobre avistamentos ocorridos em 1952, na Barra da Tijuca, Rio de Janeiro. 1995.

 BR DFANBSB ARX.0.0.59. Objetos Aéreos Não Identificados: estatísticas. Boletim do SIOANI (cópia). 2/8/1969,

 BR DFANBSB ARX.0.0.184 Registro de observações de objetos voadores não identificados na região do estado do Pará, entre setembro de 1977 e novembro de 1978, especialmente nos municípios de Ananindeua, Baía de Marajó, Belém, Benevides, Benfica, Bragança, Campo Cerrado, Colares, Marabá, Mosqueiro, Santo Antônio do Tauá, São Domingos do Capim, São Felix do Xingu, Tomé-Açu, Vigia. 28/11/1978   

 BR DFANBSB ARX.0.0.249                            

Cópias de documentos. Atualmente os documentos são ostensivos. Ofício assinado pelo Brigadeiro do Ar José Pessoa Cavalcanti de Albuquerque. Relatório de ocorrência, sem data, assinado pelo Brigadeiro do Ar José Pessoa Cavalcanti de Albuquerque - Comandante Interino do COMDA/NuCOMDABRA (Confidencial). 2/6/1986

 BR DFANBSB ARX.0.0.692                            

Fita cassete nº 2/16: registro de movimentos aéreos não identificados. 19/5/1986

Bibliografia

 

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