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Até a Constituição de 1988, havia no país dispositivos legais que permitiram a criação de Territórios da União, unidades administrativas autônomas mas dependentes do poder central, em geral por serem regiões de fronteira cujos recursos limitados não poderiam garantir a segurança e a integridade da mesma. Embora na Constituição de 1891 não houvesse a previsão de conquista de novas terras além das fronteiras já estabelecidas, o complexo processo de consolidação dos estados nacionais na América do Sul (em especial na região amazônica) acabou por trazer novas terras ao país, o que ocasionou a criação do Território do Acre. O Tratado de Petrópolis (1903) batia o martelo em relação ao novo território, anteriormente pertencente à Bolívia, e em troca o Brasil se comprometia a construir a estrada de ferro Madeira-Mamoré, que permitiria a continuidade de comércio boliviano via rio Amazonas, além de ceder terras em outros pontos ao longo da fronteira. Alguns outros Territórios surgiriam nas décadas seguintes, inclusive o Território do Guaporé (de 1943), na região em que a Estrada de Ferro Madeira-Mamoré (naquela época, em franca decadência) encontrava seu fim. Em 1956 o Território ganharia um novo nome e passaria a se chamar Rondônia, transformado em Estado em 1981.

Se a Constituição de 1891 não previa a existência de Territórios, a de 1967 _ outorgada pelo governo militar _ previa a criação de novos territórios a serem estabelecidos por lei complementar. Uma preocupação expressa constantemente pelos governos militares durante a ditadura de 1964-1985, a Segurança  Nacional, como entendida pela Doutrina de Segurança Nacional, nortearia a criação destes novos territórios, consoante os interesses em termos de desenvolvimento e integridade territorial.

Não foi à toa que o Território ganhou o nome de Rondônia. Afinal, foi a Comissão Rondon que primeiro “desbravou” os sertões do então Mato Grosso e Amazonas, mapeando riquezas, territórios e povos indígenas: longe de ser uma terra de ninguém, há milênios era habitada por diversas tribos nativas, paulatinamente dizimadas ou “integradas” ao longo do século XX _ o que aliás, ocorreu em todo o território nacional.

Em 1931, após o declínio da exploração dos seringais que haviam incitado a construção da Madeira Mamoré, o governo provisório de Getúlio Vargas transfere a administração da ferrovia das mãos dos ingleses para o Ministério da Viação. O então chefe do posto telegráfico tenente Aluízio Ferreira, subordinado ao Marechal Rondon e autoridade máxima na região, assumiu a sua direção, sob ordens diretas do Ministro da Viação José Américo de Almeida. É nesse momento que começa a se delinear uma identidade e um histórico próprios da região entre os estados do Amazonas e Mato Grosso que viria a se tornar Rondônia. Tendo como preocupação central a soberania das fronteiras, o governo Vargas (através dos Ministérios da Guerra e da Agricultura) passou a incentivar projetos de colonização e exploração agrícola que incluíam migrantes de outras regiões e indígenas locais, que deveriam ser “atraídos” e integrados. O tenente Aluísio Ferreira desempenhou um papel fundamental no projeto, que percebia os pontos de fronteira e junto à ferrovia como chave para o sucesso da empreitada e da manutenção da integridade territorial. Embora tenha conseguido estabelecer um certo número de famílias de lavradores na região, o dinamismo econômico esperado não aconteceu.

Um novo “ciclo da borracha” aconteceria durante a Segunda Guerra, que aumentou a demanda pelo produto, fundamental na fabricação de pneus e outros componentes utilizados no conflito. Já nos anos 1950 a descoberta de cassiterita (principal componente do estanho) causou mais uma onda de atração populacional e dinamismo econômico na região, e em 1960 uma nova estrada ligando Porto Velho (capital do Território) até Cuiabá e dali até São Paulo começou a ser aberta (BR-364). Durante anos o minério foi explorado de forma manual, pois aflorava a superfície (o que raramente ocorre com a cassiterita), mas em 1971 o Ministério das Minas e Energia determina o fechamento das lavras manuais, já que na visão do governo era preciso investir na exploração mecanizada e em grande escala. O resultado foi que as grandes mineradoras (brasileiras e estrangeiras) como a Ferro Union, a Billinton International Metals, a Paranapanema, a Brascan, a Brumadinho e a Best tornaram-se virtualmente as donas do garimpo de estanho de cassiterita, deixando milhares de pessoas à míngua: “O efeito do fechamento da lavra manual foi devastador para a economia do Território, pois mais de dez mil pessoas estavam ligadas diretamente ao processo de extração e trinta mil nos setores de suporte como transporte, alimentação, comércio e serviços em geral, para uma população total do Território de cem mil habitantes. O Território novamente iria sofrer uma letargia econômica, apesar da enorme quantidade de estanho retirada pela lavra mecanizada.”(Souza)

Ao longo dos anos 1970 os projetos desenvolvimentistas dos governos militares chegaram a Rondônia: espoliados das outras regiões do país (vítimas do processo de concentração de terras ou do desemprego em seus estados de origem) e grandes investidores do agronegócio receberam incentivos para estabelecerem-se na região. “Integrar” a região à lógica do desenvolvimento predominante no centro-sul fazia-se urgente, e a política dos governos militares encarava amplas extensões da região norte _ Rondônia inclusive _ como um vazio populacional carregado de atraso, o que não apenas contradizia todo o projeto desenvolvimentista como representava um perigo estratégico em uma região de fronteira. Na prática, o avanço sobre a fronteira amazônica ocorreu em um contexto de expropriação e violência, e em Rondônia, durante a década de 1970, esse  processo  foi  ainda  mais  intenso,  atingindo  ao  mesmo  tempo  índios, seringueiros,   garimpeiros   e   posseiros.

 Rondônia deixou de ser Território para se transformar em Estado com a Lei complementar 41, assinada pelo então Presidente da República João Batista Figueiredo em dezembro de 1981. Atualmente com cerca de 1.7 milhões da habitantes, o Estado tem na pecuária de corte sua principal atividade econômica, seguida do cultivo de soja e milho.

 

Documentos

BR RJANRIO EH.0.FOT, PRP.11291. Presidente João Batista de Oliveira Figueiredo (1979-1985) no Palácio do Planalto: cria o estado de Rondônia ao sancionar a Lei Complementar nº 41, que transformou o atual território (ex-Porto Velho) em estado, Brasília, DF. Presentes ao ato Antônio Aureliano Chaves de Mendonça, vice-presidente, e Jorge Teixeira de Oliveira, governador de Rondônia. Dezembro de 1981. Agência Nacional.

BR RJANRIO PH.0.MAP.2 Território de Rondônia. 1961. Correio da Manhã.

BR DFANBSB V8.MIC, GNC.MMM.81001444. Informe do SNI sobre a criação do estado de Rondônia e reações de políticos de Mato Grosso. Abril de 1981. SNI.

 

Leitura recomendada

Souza, Valdir Aparecido de. Rondônia, uma memória em disputa. – Assis, 2011. Tese (Doutorado). – Faculdade de Ciências e Letras de Assis – UNESP – Universidade Estadual Paulista, 2011 Orientação Prof. Dr. Antônio Celso Ferreira.

SOUZA, Murilo Mendonça Oliveira de. PESSÔA, Vera Lúcia Salazar. A Contra-Reforma Agrária em Rondônia: Colonização agrícola, expropriação e violência. Disponível em: http://w3.ufsm.br/gpet/engrup/vengrup/anais/1/Murilo%20Mendonca_NEAT-UFU.pdf,2009

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