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A antipatia de setores conservadores em relação a João Goulart tem raízes cerca de 20 anos antes e um capítulo importante nos 10 anos que antecederam o golpe de Estado de 1º de abril de 1964. Para a compreensão da queda do presidente é necessário conhecer não só a conjuntura específica de 1964, mas também o que se passou na história brasileira nos anos 1940 e 1950.

                Para uma visão mais abrangente dos fatos, voltamos ao Estado novo (1937-45), quando o presidente Getúlio Vargas, então ditador, constrói as raízes do que seria chamado de populismo e, mais tarde, de trabalhismo. Vargas se apresenta à população como o “pai dos pobres”, estratégia que dá certo muito em razão da censura e, principalmente, da propaganda intensificada pelo Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), criado em 1939. A Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), de 1943, coroa um projeto de poder que se ampara não apenas na censura e na propaganda, mas também na concretização de ganhos reais para os trabalhadores. Porém, isso se dá com o governo esvaziando o passado das lutas operárias e apresentando as conquistas como dádivas do presidente da República para o povo brasileiro.

                O bombardeio de marketing promovido pela ditadura Vargas – muito inspirado no que era feito pelo Ministério da Propaganda do nazismo alemão – aliado aos direitos trabalhistas criados estabeleceu entre Vargas e os mais pobres um forte laço que renderia, a partir de 1946, ao agora ex-ditador, um capital político que o trouxe para um novo mandato, dessa vez eleito, de 1951 até 1954. Igualmente, foi fortalecido o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), ao qual Vargas filiou-se, e novas lideranças como Leonel Brizola e João Goulart.

                Cabe lembrar que, em 1954, quando da morte de Vargas, a quebra da ordem democrática já rondava o espectro político nacional. Mas o suicídio do homem de São Borja (RS) gerou uma revolta popular e um ambiente político insustentável para os golpistas. Em seu enterro, outro filho de São Borja (RS), João Goulart, prometeu sobre o túmulo de Getúlio que iria dar continuidade ao seu legado, em discurso emocionado que foi aplaudido calorosamente por uma multidão.

                É importante ainda salientar que Jango já era popular nessa época, sendo inclusive Ministro do Trabalho de Vargas em 1953, colocado no cargo muito em virtude do ótimo diálogo que tinha com líderes sindicais que realizavam protestos, à época, contra a carestia de vida gerada por uma crise econômica. Depois, foi eleito vice-presidente duas vezes: em 1955 e 1960.

                Para os conservadores, a entrada de Jango na presidência – após a renúncia de Jânio Quadros, em 1961 – significava a continuidade do projeto trabalhista-reformista gestado na ditadura de 1937 e que os havia derrotado em três eleições seguidas. Embora não chegasse nem perto de ser comunista, o trabalhismo de Goulart previa reformas, entre elas a agrária, e mexia com interesses da elite, em especial da oligarquia campesina brasileira.

                Por isso, em princípio, o Congresso impôs o parlamentarismo, para esvaziar o poder de Goulart. Com o retorno do presidencialismo após um plebiscito em 1963, grupos da sociedade civil e das Forças Armadas articularam a derrubada do presidente sob a justificativa de uma ameaça comunista – curiosamente, a mesma utilizada por Vargas em 1937 para golpear a legalidade e se propagar no poder.

                Mas Goulart também falhou. Não conseguiu colocar em prática uma estratégia que lhe garantisse apoio político necessário para manter-se no poder. Diante das Forças Armadas divididas entre grupos legalistas e golpistas, Jango apoiou e anistiou a Revolta dos Marinheiros e depois compareceu a um evento dos sargentos e da baixa patente militar no Automóvel clube, ambas no final de março de 1964. Foi a senha para que os militares o denunciassem como fomentador da quebra de hierarquia e efetivassem o golpe quase que de imediato.

                No dia do grande comício realizado na central do Brasil, em 13 de março, com o apoio de centenas de milhares de pessoas, o presidente já havia assinado um decreto de expropriação de terras improdutivas, o que feriu interesses de especuladores. Assim, o clima anticomunista – é importante lembrar que o mundo vivia a Guerra Fria –, aliado à perda de apoio de parte majoritária das Forças Armadas e à pressão de grupos empresariais e de alguns setores da sociedade civil, levou ao golpe de Estado que o derrubou e deu início a uma ditadura que se estenderia por 21 anos.

                Em um país que nunca foi comunista, nem mesmo o reformismo trabalhista foi admitido. Foi o final definitivo do primeiro ciclo trabalhista, que teria nova versão a partir dos anos 1980, em especial com o retorno de Leonel Brizola ao cenário político nacional.

Imagens:

BR RJANRIO D7.0.APT, FOT.3      Fotografia de João Belchior Marques Goulart, deputado federal eleito, Getúlio Dornelles Vargas, presidente da República eleito e Manoel Antonio Sarmanho Vargas em uma fazenda, no sul do país. [Rio Grande do Sul], 01 de janeiro de 1951

BR RJANRIO D7.0.EXI, FOT.11                    

Fotografias de João Belchior Marques Goulart, presidente da República, em uma rede ao ar livre tomando chimarrão durante o exílio. [S.l], 22 de fevereiro de 1971.

Leitura recomendada

FERREIRA, JorgeJoão Goulart: uma biografia. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2011.

GOMES, Angela de Castro. A Invenção do Trabalhismo. 3ª edição. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2005. 

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